É indeclinável o dever de reconhecer os méritos da atuação da mulher advogada, aplaudir seu empenho e dedicação e, enfim, registrar suas conquistas e avanços no meio jurídico, um ambiente historicamente masculino. Para melhor contextualizar os avanços basta acompanhar a evolução do número de mulheres acadêmicas de Direito nas universidades brasileiras, ou registrar a superioridade numérica das aprovações femininas dos exames da Ordem.
No que estaria, então, lastreado o claro inconformismo, manifestado na Carta de Maceió, emitida na I Conferência Nacional da Mulher Advogada, para defender a continuidade e a intensificação das políticas de inclusão feminina no âmbito da Ordem e da política no Brasil? Somente poderia estar no fato de nossa sociedade insistir na manutenção da distância entre o discurso e a prática. O universo feminino tem conquistado consideráveis avanços na luta em favor da aproximação e equilíbrio entre os gêneros na política e no direito. Mas ainda é necessário na política, por exemplo, o estabelecimento de cotas na legislação eleitoral para forçar o ingresso das mulheres na carreira.
O artigo 10, parágrafo 3º da Lei 9.504/97 exige a reserva de 30% e 70%, para cada gênero, do número de candidaturas a que os partidos políticos e coligações têm direito.E muitas agremiações têm encontrado dificuldades para atender à legislação. Enquanto isso, o parlamento brasileiro tem representação feminina média inferior a 10%. O Conselho Federal da OAB, como bem lembrou o vice-presidente nacional, Claudio Lamachia, no encerramento do encontro, que classificou como “carregado de simbolismo” avançou muito no que diz respeito a políticas de gênero. Exemplo disso foi a transformação da Comissão da Mulher em permanente e a instituição de 30% de mulheres nas chapas. “Queremos mais mulheres na OAB”, disse ele.
Para o presidente nacional da Ordem, Marcos Vinicius Furtado Coêlho, que abriu o encontro de Maceió, o debate sobre igualdade não significa exterminar as diferenças, mas, respeitando-as, garantir igual dignidade e respeito a homens e mulheres. E é justamente a efetividade dessa igualdade material que justifica e legitima políticas diferenciadas para elas, seja em questões trabalhistas, no tocante às políticas públicas de saúde, à situação das penitenciárias femininas ou na própria discussão sobre as condições do exercício da advocacia feminina no Brasil. Ao observar a realidade brasileira, fica claro que ainda é preciso dar passos fundamentais para concretizar o princípio da igualdade de gênero no âmbito de toda a sociedade brasileira.
A Carta de Maceió defende, entre outros pontos, a instituição do Plano Nacional de Valorização da Mulher Advogada e a ampliação da presença feminina nos espaços de poder, intensificando o apoio ao “Mais mulheres na Política” promovido pela Justiça Eleitoral, além de fortalecer a atuação da mulher no exercício da Advocacia com a implementação e intensificação de políticas afirmativas para mulheres advogadas. Defende ainda integral apoio da OAB a projetos de combate a violência contra a mulher, considerando-a uma grave violação aos direitos humanos. E conclui: “Assumimos hoje o propósito de fazer perpetuar o compromisso assumido pela Constituição Federal de 1988 em concretizar o objetivo fundamental de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
A realidade brasileira aponta, portanto, para um cenário desalentador: estamos ainda muito longe de atingir o ideal de igualdade desejável entre os gêneros. Não obstante a mulher tenha se inserido no mercado de trabalho e muitas tenham conquistado lugar de destaque em todos os setores produtivos, persiste o seu papel subalterno na estrutura social. O modelo da família nuclear patriarcal que ainda vigora, fortalece a visão da autoridade masculina, que em última análise justifica a violência física e psicológica contra a mulher. O encontro de Maceió representa um grande avanço da OAB para mudar esse quadro, que nos parece insuportavelmente dramático.