Estamos no frontispício das eleições gerais no país, programadas para outubro do próximo ano. Mas embora dirigentes das agremiações partidárias, seus representantes nos governos e parlamentos e todos aqueles que invariavelmente as orbitam já se movimentem claramente e se articulem em todo o país, o ator principal daquele que deveria ser um espetáculo da democracia – o cidadão – permanece absolutamente alheio, abstraído, desinteressado e indiferente em relação ao assunto. Não deveria. A sucessão de escândalos e contumélias praticados – inclusive ao vivo, no Congresso – além daqueles decorrentes das denúncias surgidas em cascata nas operações de combate à corrupção acabaram por demonizar os políticos de uma forma generalizada. Mas não se pode admitir, absolutamente, a produção de semelhante efeito em relação à política, sem a qual não existe o estado democrático.
Eis a questão. Não se pode atribuir à democracia a responsabilidade pelo asco que o noticiário político provoca diariamente. É preciso direcionar a indignação popular ao destinatário correto. Qualquer raciocínio diverso equivale a encontrar no canto do galo a culpa pelo alvorecer. O país precisa da política na mesma medida em que ela demanda a participação do cidadão consciente de sua própria responsabilidade cidadã, cujas ações sejam pautadas pelo respeito incondicional à ética, às leis e à constituição. Sem a efetiva mobilização consciente da sociedade, aqueles que personificam a indignação e revolta que se estampam hoje no semblante de cada cidadão de bem poderão ter assegurada a própria recondução ao que imaginam ser uma barreira instransponível capaz de resguardar sua impunidade.
Esse é o efeito colateral perverso do alheamento e do desprezo populares em relação não apenas aos políticos, mas à política, na mesma medida. E parece que os estrategistas dos partidos conduzem as ações no Congresso exatamente nessa direção: quanto mais avesso o público à vida política maiores serão as possibilidades de reeleição para os atuais ocupantes que não dignificam a vontade soberana. Faz parte dessa estratégia a proposta de reforma política exclusivamente conduzida no sentido de aprovar o financiamento público das campanhas eleitorais e o chamado “distritão”, sistema que anuncia a virtude de pode acabar com as conhecidas siglas de aluguel, muitas dos quais não são mais que pequenas empresas privadas imersas em grandes negócios públicos e privados.
Mas a verdade é que esse sistema favorece em muito a recondução dos atuais titulares dos cargos, mais conhecidos pela forte exposição na mídia e principais beneficiários da distribuição do fundo de R$ 3,6 bilhões a serem destinados aos partidos conforme o tamanho das bancadas que deputados e senadores pretendem aprovar para o financiamento de campanhas. É, na opinião do presidente nacional da OAB, Cláudio Lamachia, “Um verdadeiro deboche com o cidadão brasileiro”. Ele observa que a maioria dos estados brasileiros encontra dificuldades para cobrir a folha de pagamentos dos servidores. “O cidadão financiam campanhas não apenas com esse fundo. Paga ainda pelo Fundo Partidário, que supera a casa dos R$ 800 milhões, e ainda o horário dito gratuito na TV e rádio, que também é pago pelo erário, ou seja, com os impostos cobrados de cada cidadão, com a desoneração de tributos”.
É preciso restar estabelecido – e cada um de nós tem o dever de mostrar isso a seu deputado – que é ruim para o país uma regra na qual o mandato tem como proprietário um indivíduo comprometido exclusivamente com seus próprios interesses.