Permito-me, com a devida licença do colega Homero Mafra, presidente da seccional da OAB no Espírito Santo e coordenador do Colégio de Presidentes, recorrer a seu brilhante discurso, pronunciado na abertura da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, para reiterar sua essência: “Não nos peçam silêncio. Somos a advocacia”. E complementá-lo: ações sub-reptícias, afetadas e absolutamente finórias, ao contrário de esmorecer nosso ímpeto, haverão sempre de alimentar e abastecê-lo com o combustível de elevada octanagem produzido pela indignação e pela injúria. Homero Mafra deixou claro: “À advocacia brasileira cabe fazer o bom combate, denunciando todas as formas de violência, todas as formas de prepotência, todos os ataques à democracia. Não temos medo. Esse sentimento não nos pertence. Da advocacia não esperem outra coisa que não a defesa dos direitos humanos, das liberdades públicas, das minorias, dos princípios republicanos, do combate à opressão.
São palavras bastante apropriadas para emoldurar o sentimento de repulsa contra mais um expediente obsceno, grosseiro e vulgar para fragilizar o trabalho dos advogados criminalistas e a defesa dos acusados. Não se pode imaginar outra a intenção da matéria publicada esta semana em revista de circulação nacional sobre os ganhos milionários de um grupo de criminalistas, que inclusive contestaram a matéria.
O que efetivamente merece consideração é mais um claro e deliberado desserviço jogado por sobre o estado democrático de direito o ato de jogar jogar a opinião pública contra a defesa dos réus, na associação dos advogados com os crimes pelos quais clientes são acusados. Mas atente-se: Não vai funcionar! A advocacia brasileira é historicamente calejada na luta em defesa dos ideais democráticos, da cidadania, dos direitos humanos, contra o autoritarismo, contra as ditaduras ou qualquer forma de opressão, não importa a forma como se apresentem. Como disse Homero Mafra, “não tememos a impopularidade, se essa for a medida da defesa das liberdades públicas. A advocacia não faltará à cidadania”.
As pessoas que se deixam seduzir por esse sentimento punitivista, estimulado, com requintes de desprezo aos mais comezinhos e epidérmicos princípios éticos, por aqueles que buscam se beneficiar disso, precisam entender aquilo que sentenciou Machado de Assis, citado pelo criminalista Roberto Podval: “O advogado pouco vale nos tempos calmos. Seu grande papel é quando precisa arrostar o poder dos déspotas, apresentando perante os tribunais o caráter supremo dos povos livres”. Podval, que foi agredido a socos e pontapés na porta do Forum, por ter aceito a defesa de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, personifica a coragem do criminalista de cumprir o que determina a lei. A falta dessa determinação é que torna perigosa a existência de qualquer ser humano na sociedade.
Foi também de Roberto Podval uma das raras vozes a se levantar contra a publicação amoral. Disse ele em nota: Nós, criminalistas por vocação, passamos dias de nossas vidas em presídios, ou em tribunais do júri, bem longe dos cenários de colarinho branco, defendendo pessoas de baixa renda e bem longe de qualquer universo de luxo e de realeza. Quem opta por trabalhar nesse cenário, assiste a coisas tristes, exageradas, e injustas. Seja de um lado, ou de outro, seja do ângulo de acusação, ou de defesa. E mesmo diante disso, continua a exercer a profissão mesmo que ela cause muitas limitações pessoais. O processo penal não traz beleza, luxo e conforto a ninguém. Criminalistas por vocação são os que lutam para que o Estado Democrático de Direito seja respeitado, independentemente do valor dos honorários ou da completa ausência deles. São aqueles que, paradoxalmente, entendem que somente ocuparão a verdadeira realeza no dia em que esta profissão se tornar obsoleta.