A lisonja, como advertiu Denis Diderot, é com frequência usada para disfarçar a verdade e a ela poucos resistem. Segundo o iluminista francês, “engolimos avidamente a mentira que nos lisonjeia, mas bebemos gota a gota a verdade que nos amargura”. A invenção desse placebo, que a propaganda de instituições de ensino, das quais era de se esperar um mínimo de seriedade, vendeu aos estudantes com o pomposo título de “tecnólogo em serviços jurídicos” – remédio milagroso capaz de abrir as portas para um mundo de oportunidades profissionais com um curso superior à distância e com duração de apenas dois anos, seguiu exatamente esse roteiro.
Classificada pelo presidente nacional da OAB, Cláudio Lamachia, de verdadeiro “estelionato educacional”, essa mercantilização do sistema educacional, objeto de veemente protesto também aqui foi felizmente revista pelo MEC, que já havia autorizado o funcionamento do curso em uma faculdade do Paraná, mas recuou após a denúncia da OAB. O ministro Mendonça Filho, da Educação, foi apresentado à realidade e optou por constituir uma comissão para, com a participação de representantes da Ordem, apresentar em 120 dias uma avaliação técnica da proposta. Ao mesmo tempo foi proibido o funcionamento do curso de “tecnólogo em assuntos jurídicos” e outros assemelhados espalhados pelo Brasil.
A comissão, constituída por determinação do ministro, que acatou sugestão da Ordem, será composta por representantes do MEC, da OAB, de entidades representativas de Instituições de Ensino Superior públicas e privadas e do Conselho Nacional de Educação. Coordenada pela Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) a comissão não irá apenas opinar sobre a invenção dos tais tecnólogos, mas principalmente orientar a avaliação cuidadosa dos cursos de Direito espalhados por todo o país, uma antiga reivindicação da OAB. Para que o ensino do direito não mais justifique o desabafo do professor e escritor Lenio Luiz Streck que, sarcasticamente pergunta: “qual é a necessidade de um curso de tecnólogo de serviços jurídicos, se boa parcela dos cursos jurídicos no Brasil já se prestaria, no máximo, somente para isso ou que pela sua qualidade atingiriam apenas isso? ”
Cláudio Lamachia classifica a qualificação do ensino como a grande preocupação atual da OAB. É preciso, segundo ele, garantir a qualidade da formação dos bacharéis em direito sob risco de prejudicar a própria sociedade com a presença de pessoas desqualificadas para realizar esse trabalho, fundamental para a democracia. “É por meio do advogado – adverte – que o cidadão encontra justiça. Os cursos técnicos e tecnólogos não são habilitados a formar bacharéis em direito, como já ficou claro em tentativas anteriores de autorizar esse tipo de curso. Mais uma vez ganha a sociedade com a disposição que o governo tem demonstrado em dialogar e a Ordem em atuar nessa questão”.
O presidente da OAB, que levou ao ministro da educação e ao próprio presidente da república a preocupação da OAB com o desprezo em relação à qualidade do ensino jurídico no país, agradeceu aos presidentes das 27 seccionais, aos conselheiros federais da Ordem, ao presidente da Comissão Nacional de Educação Jurídica, Marisvaldo Cortez Amado, aos membros da comissão todos os dirigentes do sistema OAB que se envolveram diretamente no processo. “É preciso que fique claro que a luta pela qualidade do ensino Jurídico é algo que gera impacto não apenas junto a toda a advocacia, mas à sociedade que busca justiça por meio dela”, lembrou ele.
Com a decisão do MEC a OAB incorpora mais uma importante vitória na já significativa relação de conquistas, que consolidam e justificam sua posição de protagonismo na História do Brasil. Vale lembrar que a Ordem já proporcionou mais mudanças no combate à corrupção do que qualquer outra instituição: por sua iniciativa foi decretado o fim das contribuições empresariais nas eleições, bem como o fim de doações pelo chamado “caixa 2”. Determinou maior transparência nos financiamentos do BNDES. Estabeleceu a constitucionalidade da lei da ficha limpa e foi a primeira instituição a defender a criminalização do caixa 2 eleitoral. É de sua lavra a lei contra a compra de votos nas eleições, conseguiu a súmula vinculante contra o nepotismo e o pagamento de contas públicas em ordem cronológica. E foi além, com a lei da transparência; a lei de acesso às informações e o fim da imunidade parlamentar em crimes comuns. E, para coroar sua atuação, conseguiu aprovar o fim do voto secreto em cassação do mandato de parlamentares.