A temática “Cidadania, Democracia e Justiça”, escolhida para a 8ª Conferência Estadual dos Advogados, impõe o reconhecimento que a OAB de Rondônia ultrapassou os limites da simples representação corporativa dos advogados, passando a se preocupar com as grandes questões institucionais, todas fundadas nos predicamentos da soberania popular, moderna tese não tão moderna, dos constitucionalistas democratas.
Coube a este advogado, abordar o tema Justiça, com o necessário recorte, o seu acesso: O ACESSO À JUSTIÇA.
Campilongo, em o Direito na Sociedade Moderna, citando Cappelletti, adverte que Juristas em geral e processualistas de modo particular são concordes, que o acesso à justiça pode ser “encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar, os direitos de todos”. E lamenta que “paradoxalmente, nossas estruturas de ensino jurídico, práticas judiciais, hábitos profissionais, pesquisa e teorias jurídicas, prestação de serviços legais, etc., não têm dado o devido valor ao tema “acesso à justiça”.
Vamos, então, dar o devido valor ao tema!
Campilongo, faz mais uma advertência: “Na tipologia tradicional o “acesso à justiça” é confundido com o acesso aos tribunais”.
Se acesso à justiça, na tipologia tradicional, é confundido com acesso aos tribunais, o que deve ser entendido, como acesso à justiça?
A observação inicial, que deve ser feita, é que acesso à Justiça é direito fundamental. Está expresso no artigo 5º, Inciso XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:
” a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Interpreta-se que, quando a Constituição normatiza que a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito, quer garantir, principalmente, a eficácia das
decisões judiciais em benefício dos jurisdicionados, de todos os jurisdicionados, ricos ou pobres, indiscriminadamente.
Trata-se de uma garantia de direito, não simplesmente na tipologia tradicional de peticionar. Se assim fosse, a norma constitucional seria de nenhuma valia. Bastaria peticionar e a garantia, estabelecida no artigo 5º, XXXV, estaria realizada; teria, a norma, alcançado seu propósito.
Não pode ser esse o melhor entendimento. Interpretando-se o direito em sua integridade, entende-se que a garantia constitucional somente se aperfeiçoará se, além de não haver exclusão legal da apreciação judicial, isto é, se além da garantia formal do Judiciário não ser excluído da apreciação de lesão a direito ou de ameaça a direito, colimar a real reparação do direito lesionado, ou impedindo, preventivamente, que a ameaça a direito se concretize – isto é, haja eficácia da decisão judicial.
Essa, todavia, não tem sido a tipologia tradicional. Tem-se acreditado e proclamado, como se lê em José Afonso da Silva, o seguinte:
“Formalmente, a igualdade perante a Justiça está assegurada pela Constituição, desde a garantia de acessibilidade a ela (art. 5º, XXXV). Mas realmente essa igualdade não existe, “pois está bem claro hoje, que tratar “como igual” a sujeitos que econômica e socialmente estão em desvantagem, não é outra coisa senão uma ulterior forma de desigualdade e de injustiça (Cf. Cappelletti, Proceso, Ideologia e Sociedad, p. 67). Os pobres têm acesso muito precário à Justiça. Carecem de recursos para contratar bons advogados. O patrocínio gratuito se revelou de alarmante deficiência. A Constituição tomou, a esse propósito, providência que pode concorrer para a eficácia do dispositivo, segundo o qual o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art.5º, LXXIV). Referimo-nos à institucionalização das Defensorias Públicas, a quem incumbirá a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV (art. 134). [1]
Desse texto, a idéia dominante, é que os pobres têm acesso muito precário à Justiça, porque carecem de recursos, para contratar bons advogados e que o patrocínio gratuito se revelou de alarmante deficiência.
O outro lado da moeda, destarte, é que os ricos, não têm acesso precário à Justiça, porque não carecem de recursos, para contratar bons advogados. Fica-nos a ilusão, que os jurisdicionados ricos têm uma justiça rápida e imparcial, mesmo contra o Estado.
Pode-se proclamar, pelo texto, que pobre ou rico, desde que representados por bons advogados, entender-se-ia, teriam acesso à Justiça. O bom advogado, de acordo com essa interpretação formal, seria condição de acesso à Justiça.
CAPÍTULO I: DA EFICÁCIA DA ORDEM NORMATIVA
Sem embargos de que o melhor patrocínio, é o dos bons advogados e de que o patrocínio gratuito é deficiente e que urge a instalação das defensorias públicas, sustentamos que o acesso à justiça implica em eficácia da ordem normativa, na efetividade do direito reclamado em juízo.
Segundo a professora Elza Maria Miranda Afonso:
“Kelsen define como eficaz a ordem normativa que é observada e cumprida por aqueles que a ela se submetem. Quando os indivíduos, aos quais ela se dirige, se conformam, de uma maneira geral, às suas ordens, a ordem jurídica é eficaz.
Somente a ordem jurídica eficaz, cujas normas além de serem postas, sejam também observadas e aplicadas, é considerada pela ciência do direito como uma ordem jurídica positiva, uma ordem jurídica válida”. [2]
É inaceitável acreditar-se, em norma jurídica sem eficácia. Sem eficácia, a norma jurídica não existe, como norma jurídica.
Assim é que, à medida em que o Judiciário é lento, quando se transforma em protetor do Estado e não dos direitos humanos, principalmente, contra o Estado, quando suas decisões são dadas intempestivamente e, mesmo assim, mesmo quando tempestivas, não são cumpridas, ocorre o fenômeno da ineficácia do sistema jurídico, o jurisdicionado fica desamparado, os direitos humanos são meras declarações poéticas, desprotegidos de seu protetor por força constitucional, o Judiciário.
Ensina, ainda, a professora Elza:
“Quando limita o objeto da ciência do direito ao direito positivo, Kelsen o concebe como um sistema de normas postas na realidade com a finalidade de levar os homens a se conduzirem de uma maneira determinada. E o traço característico das normas desse sistema é o seu caráter coativo. Para provocar a conduta desejada a norma jurídica faz da conduta contrária o pressuposto de um ato coativo”. [3]
Não basta o acesso ao prédio do tribunal, o pobre representado pelo defensor público, ou o rico, pelo advogado contratado. Ambos desejam Justiça eficaz. É insuficiente que a decisão seja imparcial e mesmo justa, se não for eficaz.
Segue a professora Elza:
“A validade da ordem jurídica é condicionada à sua eficácia pela própria norma fundamental, da qual depende o fundamento de sua validade”. [4]
O ganhou mas não levou, verbigratia, ocorrente quando se ganha o processo de conhecimento, mas não se impõe uma execução real, desacredita-se a Justiça, atenta-se contra a Democracia e fragiliza-se a cidadania, mesmo porque não é o caso de ineficácia de uma norma jurídica isolada, que, conforme Kelsen, “a ineficácia de uma ordem jurídica tomada isoladamente dentro do sistema jurídico não prejudica a eficácia da ordem jurídica”. [5]
CAPÍTULO II: PROBLEMA POLÍTICO
O acesso à justiça, norma constitucional inserida no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição de 1988, por essa razão, é direito fundamental constitucionalizado, tem aplicação imediata, exigindo-se, do intérprete, interpretação que conduza ao entendimento, que acesso à justiça, não é acesso ao prédio do Judiciário, às suas dependências físicas, de custas baratas e até de dispensa ou isenção de custas, advogados pagos pelo Estado (defensorias públicas), dispensa da presença do advogado, violação da essencialidade do advogado, mas, essencialmente, realização efetiva da Justiça, como valor sem o qual o ser humano não vive, não sobrevive.
Por isso mesmo, devemos trazer à colação, Bobbio:
“Deve-se recordar que o mais forte argumento adotado pelos reacionários de todos os países contra os direitos do homem, particularmente contra os direitos sociais, não é a sua falta de fundamento, mas a sua inexeqüibilidade. Quando se trata de enunciá-los, o acordo é obtido com relativa facilidade, independentemente do maior ou menor poder de convicção de seu fundamento absoluto; quando se trata de passar à ação, ainda que o fundamento seja inquestionável, começam as reservas e as oposições.
O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político.
Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados”. [6]
CAPÍTULO III: JUSTIÇA LENTA
Como justiça tardia, é rematada injustiça, é inacesso à justiça, parece-nos inquestionável, que toda Justiça, deve ser justiça rápida. Mas não poder haver justiça rápida para uns e justiça lenta, para outros. Justiça rápida para uns e justiça lenta para outros, é expressão de cruel injustiça. É discriminação vedada pela Constituição, na medida em que todos são iguais perante a lei.
Condena-se, não a justiça rápida, mas censura-se a justiça lenta, porque essa forma de justiça injusta, viola o direito constitucional de acesso à justiça concreta.
O direito de acesso à justiça é violado, quando se interpreta a norma constitucional, estabelecendo duas formas de ministrar a justiça, uma rápida e a outra, lenta. Não se pode interpretar a norma constitucional semeando desigualdades. Não se pode fomentar a desigualdade.
Bastam as que existem!
Também porque, o destinatário do princípio da igualdade é, também, o legislador. Ao legislador é vedado criar lei, que estabeleça a desigualdade.
Todavia, mesmo assim, se o legislador colocar, no mundo jurídico, lei estabelecendo a desigualdade, cabe, também, mediante o controle difuso de inconstitucionalidade, incidenter tantum, a argüição de inconstitucionalidade dessa lei.
Aí, mais uma vez, impõe-se a atuação judicial, que deverá, fazendo valer a garantia do acesso à justiça, dar uma resposta rápida e fulminante, decidindo com rapidez e imparcialidade a questão entre as partes litigantes e reconhecer a inconstitucionalidade da lei violadora da Constituição.
É claro, os constitucionalmente legitimados podem propor, perante o Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade, tendo, como objeto da ação, a própria
lei inconstitucional. Trata-se do controle abstrato, que merece também uma solução rápida
decorrente da garantia do acesso à justiça.
CAPÍTULO IV: CONTROLE EXTERNO INTERNACIONAL DO JUDICIÁRIO NACIONAL
Os juristas brasileiros, preocupados com a inércia do Estado Nacional, na efetivação do direito fundamental de acesso à justiça, têm advertido, que, certamente, a negação do acesso à justiça justa, na efetivação dos direitos do homem, esteja levando o Estado Nacional, a perder o monopólio da prestação jurisdicional, em relação a esses direitos fundamentais.
Vejamos o que ensina Flávia C. Piovesan:
“Ao acolher o aparato internacional de proteção, bem como as obrigações internacionais dele decorrentes, o Estado passa a aceitar o monitoramento internacional no que se refere ao modo pelo qual os direitos fundamentais são respeitados em seu território. O Estado passa, assim, a consentir no controle e na fiscalização da comunidade internacional quando, em casos de violação a direitos fundamentais, a resposta das instituições nacionais se mostra insuficiente e falha, ou, por vezes, inexistentes. Enfatize-se, contudo, que a ação internacional é sempre uma ação suplementar, constituindo uma garantia adicional de proteção dos direitos humanos”. [7]
Por não ter o Estado Nacional, cumprido o seu dever, de assegurar o acesso à justiça efetiva, na proteção dos direitos do homem, o Estado Nacional passa a aceitar o monitoramento internacional do Judiciário Nacional, embora suplementarmente. Importa que, como o Estado, quanto à efetivação dos direitos do homem, em caso de violação a esses direitos, deu resposta insuficiente e falha ou, por vezes, inexistente, a comunidade internacional passa a controlar e a fiscalizar, as instituições nacionais, inclusive, claro, o Judiciário, como a instituição nacional, titular do monopólio da prestação jurisdicional, aos casos concretos.
Trata-se, doa a quem doer, seja certo ou errado, viole-se ou não a soberania, de controle internacional do Estado Nacional, inclusive do Judiciário.
É o controle externo internacional do Judiciário, na própria prestação jurisdicional, no que respeita aos direitos do homem!
O acesso à justiça, repetimos, não pode significar um mero adentrar com uma petição inicial. Há de ser solução efetiva, efetivação dos direitos fundamentais, obrigação primeira do Estado, que se pretende democrático e de Direito.
CAPÍTULO V: A CONVENÇÃO AMERICANA
A preocupação do mundo globalizado com a efetivação dos direitos do homem, quanto ao acesso à justiça, tem se manifestado de diversas formas, todas exigindo do Estado Nacional que concretizem o direito fundamental de acesso à justiça.
O Art. 25, da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos dispõe:
“Art. 25. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais”.
A comunidade internacional pretende que o recurso seja simples, rápido e efetivo, perante os juízes e tribunais competentes, como direito de toda pessoa, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.
Essa é outra questão essencial, na efetivação do acesso à justiça: que as decisões judiciais, proferidas contra o Estado (pessoas que estejam no exercício de suas funções oficiais), sejam executadas efetivamente.
Ao se olhar para o Judiciário deve-se ver, não outras imagens, mas a cara da Justiça Justa (aqui refiro-me a Justiça como ideal e não as dependências físicas do órgão que tem a função especializada de aplicação das normas jurídicas, concretamente).
CAPÍTULO VI: A CONSTITUIÇÃO ESPANHOLA
Reconheço que o constituinte originário brasileiro de 1988 (se originário foi, dada a controvérsia doutrinária que lavra a respeito), não foi muito feliz ao redigir o Inciso XXXV, do Art. 5º (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito), sinalizando, para alguns, como mera proteção formal de direitos.
Irrepreensível, é a redação dada pela “Constitución Española de 1978, aprobada por las Cortes en sesiones plenarias del Congreso de los Diputados y del Senado, celebradas el 31 de octubre de 1978, Ratificada por el pueblo español en referendum de 6 de diciembre de 1978 e Sancionada por S. M. el Rey, ante las Cortes, el 27 de diciembre de 1978″, em seu artigo 24, 1, verbis:
“Todas las personas tienen derecho a obter la tutela efectiva de los jueces y tribunales en el ejercicio de sus derechos e intereses legitimos, sin que, en ningún caso, pueda producirse indefensión”.
Todavia, não é lícito a nenhum intérprete formular uma interpretação literal do art.5º, inciso XXXV, da Constituição brasileira de 1988, a Constituição Cidadão. Impõe-se uma interpretação principiológica, a única que será correta a ser extraída da Constituição.
É inaceitável a interpretação, que conclua que, como o Constituinte não inseriu a palavra “efetiva”, na redação do inciso XXXV, do art. 5º, da Constituição, entenda-se que o acesso à justiça brasileira não é efetiva, que é meramente formal, destituída de eficácia na concretude dos direitos humanos, individuais e coletivos.
CAPÍTULO VII: A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DOS GOVERNADOS
Neste momento chamo à colação, os ensinamentos do eminente professor da Universidade Federal de Minas Gerais, José Alfredo de Oliveira Baracho, na sua obra Processo Constitucional, no que defende a proteção dos direitos dos governados:
“As alternativas para o Estado Social Democrático, como instrumento de auto-organização da sociedade, que concilia o exercício dos direitos fundamentais como a superação das formas de atraso econômico e social, são cada vez mais discutíveis.
Esse Estado transforma-se em um sistema de princípios e regras processuais que devem aperfeiçoar a ordem jurídica. Ao lado da legitimação da atuação estatal, tem que abrir todas as reivindicações que lhes são dirigidas. A conciliação entre o significado meramente formal do Estado de Direito com os procedimentos de atuação social, transforma-se, por vez, em dilema para o Estado. De um lado, estão os direitos individuais e as reservas limitativas do próprio Estado; do outro os reclamados contra a sua ineficiência e passividade, quanto à própria estrutura social e econômica.
Diz, ainda, o eminente mestre:
A construção democrática do Estado assenta-se no exercício responsável do poder, para proteger os direitos dos governados. Os mecanismos eficazes de controle ou de
contenção, sejam eles prévios ou posteriores, moderam a atividade estatal, conformando-o com os postulados jurídicos, deferidos pelo regime, constitucional e legitimamente estabelecido. [8]
Na esteira dos ensinamentos do eminente jurista, há de se convencer que a interpretação do inciso 35, do art. 5º, da Constituição de 1988, não pode ser literal, meramente gramatical, estritamente formal. Deverá ser uma interpretação no sentido da construção do Estado Democrático de Direito, para proteger os direitos dos governados e não uma mera leitura formal da norma, destituindo-a de qualquer eficácia.
Não fosse assim, todo esforço do movimento constitucionalista, propondo a adoção de constituição escrita, rígida, limitando o Estado, separando os Poderes e garantindo os direitos humanos, enfim, toda a modernidade teria sido vã.
O Estado moderno, o conceito de Estado da modernidade, vincula-se, essencialmente, aos princípios de igualdade e liberdade, inicialmente, meramente formais. Atualmente, o constitucionalismo proclama a essencialidade da efetividade, da materialidade de tais princípios. A liberdade e igualdade, não podem ficar somente na boca dos poetas românticos.
Impõe-se igualdade e liberdade reais, efetivas, começando pela proteção jurisdicional dos direitos humanos.
CAPÍTULO VII: A MAGNA CARTA
Já a Magna Charta Libertarum, outorgada pelo Rei João Sem Terra, em 1215, se bem interpretado o seu item 40, chega-se ao entendimento de que o acesso à Justiça, já, ali, foi estabelecido, nos seguintes termos:
“Não venderemos, nem recusaremos, nem protelaremos o direito de qualquer pessoa a obter justiça”.
Disse a Magna Carta: Não venderemos o direito de qualquer pessoa a obter Justiça.
O acesso à Justiça, impõe que a Justiça justa não venda o direito. A venda do direito é a mais torpe forma de impedir o acesso à justiça. Entenda-se, desde a Magna Carta de 1215, ao decidir-se a causa, prejudicando as partes, negando o direito às partes, por questões subjetivas e pessoais, ou por subserviência ao Estado, veda-se o acesso à justiça.
Disse a Magna Carta: “Não recusaremos o direito de qualquer pessoa obter Justiça”.
Recusar Justiça é outra forma de violação do acesso à Justiça, porque desmoraliza a democracia e violenta a cidadania.
Recusa-se, Justiça, ao se negar o julgamento do mérito da causa, ao se negar o julgamento do direito substantivo, prendendo-se aos excessivos formalismos processuais oriundos de uma interpretação literal e baseada exclusivamente no texto da lei, em vez de se buscar a única interpretação correta existente no ordenamento jurídico.
Disse a Magna Carta: não protelaremos o direito de qualquer pessoa.
Protelar o direito de qualquer pessoa, desde 1215, com a Magna Carta, é negar acesso à Justiça.
Protela-se o direito, nega-se acesso à justiça, protelando-se a decisão. É a aética justiça tardia. São os embargos de gaveta. É a não decisão em tempo hábil, reparando o direito ofendido ou, preventivamente, impedindo a violação do direito. É a aética justiça para o rico e a outra aética justiça para o pobre.
CONCLUSÃO
Como o regime político, desejado pelo Constituinte de 1988 para o Brasil, é de um Estado Democrático de Direito, cujo fundamento é a soberania do povo e como soberano é o povo participativo, conforme princípio fundamental expresso no artigo 1º, da Constituição, e não se podendo conceber Estado Democrático de Direito, sem tutela efetiva de direitos fundamentais, e, tendo esse Estado Democrático de Direito como fundamentos entre outros, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, sendo um dos objetivos fundamentais desse Estado Democrático de Direito (artigo 3º, I, construir uma sociedade livre, justa e solidária), e, também, porque o artigo 4º, II, da Constituição estabelece que “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais, pela prevalência dos direitos humanos”, a única leitura que se pode fazer do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil, é que acesso à justiça, é acesso à justiça material, efetiva, concreta, porque também, acesso à justiça na interpretação principiológica da Constituição, é a realização do objetivo principal do Estado Democrático de Direito: a concretude dos direitos fundamentais, a garantia dos direitos dos governados.
Presidente Hiram Souza Marques, a convocação que Vossa Excelência nos fez, aos advogados de Rondônia, para na 8ª Conferência dos Advogados, refletir sobre Cidadania, Democracia e Justiça, evoca-nos um passado muito distante, quando o eminente Presidente
Raimundo Faoro – um dos vultos maiores de toda a História da Ordem dos Advogados do Brasil, convocava a classe dos advogados para a 8ª Conferência Nacional, em 1978, sob o tema “Estado de Direito”: “Será necessário – dizia o grande Presidente, que os advogados, ao espelhar a consciência jurídica do País, reflitam sobre a realidade presente e ofereçam a contribuição de sua inteligência para ordenar, sob o império da lei, as instituições abaladas em profunda crise de legitimidade”.
REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS
AFONSO, Elza Maria Miranda. O Positivismo na Epistemologia Jurídica de Hans Kelsen. Belo Horizonte: FDUFMG, 1984. 312 p.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. São Paulo: Forense, 1984. 408 p.
BOBBIO, Norberto. A Era do Direito. Rio de Janeiro: Editora Campos, 1992.
217 p. Tradução de Carlos Nelson Coutinho.
DIAS, Maria Tereza Fonseca; GUSTIN, Miracy Barbosa de Souza. Curso de Iniciação à Pesquisa Jurídica e à Elaboração de Projetos – (Re) pensando a pesquisa jurídica: teoria e prática. Belo Horizonte: FDUFMG/NIEPE, 2001. 199p.
PIOVESAN, Flávia C. O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a Redefinição da Cidadania no Brasil – Justiça e Democracia. São Paulo: Revista dos Tribunais, Vol. 02/111, 1996.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1998. 863 p.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
ESPANHA. Constituição Espanhola, 1978.
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE. Convenção Americana sobre os Direitos Humanos.
NOTAS
1. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15 ed. revista. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 222/223.
2. AFONSO, Elza Maria Miranda. O Positivismo na Epistemologia Jurídica de Hans Kelsen. Tese de Doutorado. Minas Gerais: FDUFMG. 1984. p. 256
3. op. cit., p. 257
4. Ibidem, p. 257
5. Ibidem, p. 260
6. BOBBIO, Norberto. A Era do Direito, Editora Campos. 1992. p. 24/25
7. PIOVESAN, Flávia C. O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a Redefinição da Cidadania no Brasil – Justiça e Democracia. Vol. 02/111. São Paulo: RT. 1996.
8. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Ed. São Paulo: Editora Forense, 1984, p. 362/363.
Arquilau de Paula é Mestre em Direito Constitucional pela UFMG e Membro Honorário Vitalício da OAB Rondônia.