O cidadão brasileiro está, lamentavelmente, levado a concluir que, da forma que caminham as articulações parlamentares em torno da chamada reforma política, melhor deixar como está. Ou o país haverá de constatar a veracidade da chamada lei de Murphy: o que é ruim sempre pode piorar. Percebe-se pela movimentação das peças nesse jogo viciado vale tudo, menos ética e respeito aos interesses da população. Todas as mudanças são conduzidas para perenizar ou, melhor, “cristalizar o poder que aí está: masculino, branco, proprietário, vitalício e hereditário”, como bem salientou o professor José Antônio Moroni, da UNESC. Na impossibilidade de excluir o eleitor das eleições, pratica-se a assimetria lógica entre evidência positiva e evidência negativa, entre verdade e falsificação, entre o direito e o avesso, entre confirmação e refutação. É o avesso do avesso, dos versos do filósofo e poeta afegão jalāl al-Dīn Muhammad Balkhī.
O mais grave é que os trabalhos são conduzidos ao atropelo da ética, da razoabilidade, dos princípios democráticos e da constituição. Daí a razão pela qual mais de duas centenas de juristas vai protocolar no Supremo o manifesto público por eles assinado contra a aprovação da emenda que insere na constituição as doações de campanha de empresas a partidos. A proposta, rejeitada pelo plenário, foi representada no dia seguinte, após manobra relâmpago do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) que conseguiu “milagrosamente” reverter a situação para aprova-la. O documento foi entregue à ministra Rosa Weber, do STF, relatora do mandado de segurança que pede a suspensão da tramitação da matéria, protocolado por 61 deputados de seis partidos.
Com pareceres de juristas como Fábio Konder Comparato, Dalmo Dallari e Celso Bandeira de Mello e assinaturas do presidente, de ex-presidentes e de conselheiros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), além de professores de Direito de 23 Estados, o manifesto afirma que houve inconstitucionalidade no procedimento que resultou na aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 182/2007. Tanto os deputados que subscrevem o mandado quanto os juristas que assinam o manifesto argumentam que a manobra de Cunha de colocar pela segunda vez em votação uma emenda rejeitada na véspera fere o artigo 60 da Constituição, que proíbe que uma matéria seja votada duas vezes no mesmo ano.
A intenção, segundo o ex-presidente da OAB Marcello Lavenère Machado, é suspender a tramitação da PEC e impedir sua votação em segundo turno. “Não se pode rasgar a Constituição para atender à vontade de uma pessoa, sob risco de se instalar uma anarquia jurídica”, disse. O manifesto assinala que o noticiário a respeito das pressões sofridas pelos parlamentares para mudar o voto estarreceu quem quer que idealize uma política mais ética e ficará na história nacional como uma nota triste de agressão à liberdade do Poder Legislativo
A influência do poder econômico sobre a política, contra o qual já se insurgiu a OAB nacional em ação que tramita no Supremo e já tem os votos favoráveis da maioria dos ministros, é absolutamente incompatível com a Constituição Federal, em cujo cerne residem princípios como a república, a democracia e a igualdade. Se a PEC vier a ser aprovada, a desigualdade e a corrupção invadirão a esfera constitucional, e o preceito vigorará como um corpo estranho na Constituição Republicana e Democrática do Brasil. A defesa da institucionalidade democrática demanda o pleno respeito ao ordenamento jurídico. É preciso impedir que prevaleça o arbítrio praticado, é preciso preservar a dignidade do processo legislativo e os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.