O afastamento cautelar do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, solicitado em fevereiro ao ministro Teori Zawascki pela OAB nacional, por deliberação unânime do Conselho Federal representa mais um significativo passo de uma longa caminhada em direção à recuperação moral da política no País. A liminar concedida pelo ministro em atendimento ao pedido encaminhado pela Procuradoria Geral da República e endossada por todos os ministros daquela corte permitiu evidenciar também o reconhecimento de cada um à inevitabilidade do afastamento, pelo Senado, da presidente da república no julgamento do pedido de impeachment aprovado pela Câmara. Quem acompanhou o julgamento do STF pode observar que uma das preocupações dos ministros, além das irregularidades imputadas ao parlamentar, seria a possibilidade dele vir a ser o primeiro na lista de substituição na presidência de Michel Temer, podendo ocupar o cargo no caso de viagem do titular.
A decisão do Supremo, da mesma forma que a decisão do Senado na próxima semana – são muito fortes os indicativos de que a presidente será afastada por 180 dias já na próxima semana – sinalizam que o país, principalmente em função das históricas manifestações populares, decidiu tomar as rédeas de sua condução institucional, política e administrativa. Mas a população e as instituições nacionais que se incorporaram não podem se dispersar. Há muito o que fazer. E o momento é agora. Sob pena de ser permitida a reaglutinação das forças que conduziram o país ao caos econômico, político e social no qual se encontra e cuja superação exigirá ainda muito trabalho e sofrimento. Já citei aqui, e repito por apropriado, o pensamento do advogado e filósofo irlandês Edmund Burke (1729 – 1797), cujo trabalho inspirou gente do quilate de Denis Diderot e Immanuel Kant: “Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”.
Acompanhamos hoje um processo de impeachment já vivenciado na história recente do país, quando do afastamento de Fernando Collor. Mas nossa história exige que seja inserido entre os tropeços do ordenamento político brasileiro o traumático final da ditadura militar, com a vitória de Tancredo Neves no colégio eleitoral. Em seu discurso, após a vitória em 15 de janeiro de 1985 – há 31 anos portando, Tancredo advertia que “a Pátria não é a mera organização dos homens em estados, mas sentimento e consciência, em cada um deles, de que lhe pertencem o corpo e o espírito da Nação. A Pátria é escolha, feita na razão e na liberdade. Não basta a circunstância do nascimento para criar esta profunda ligação entre o indivíduo e sua comunidade. Não teremos a Pátria que Deus nos destinou enquanto não formos capazes de fazer de cada brasileiro um cidadão, com plena consciência dessa dignidade”.
– Assim sendo – continuava ele – a Pátria não é o passado, mas o futuro que construímos com o presente. Não é a aposentadoria dos heróis, mas tarefa a cumprir. É a promoção da justiça, e a justiça se promove com liberdade. Na vida das nações, todos os dias são dias de História, e todos os dias são difíceis. A paz é sempre esquiva conquista da razão política. É para mantê-la, em sua perene precariedade, que o homem criou as instituições de Estado, e luta constantemente para aprimorá-las. Não há desânimo nessa condição essencial do homem. Por mais pesadas que sejam as sombras totalitárias ou mais desatadas as paixões anárquicas, o instinto da liberdade e o apego à ordem justa trabalham para restabelecer o equilíbrio social.
Depois de dizer ter vindo em nome da conciliação e ensinar que o entendimento nacional não exclui o confronto das idéias, a defesa de doutrinas políticas divergentes, a pluralidade de opiniões, o último presidente eleito por via indireta advertia: “Nós não podemos nos dispersar”. O que o grande estadista temia acabou acontecendo. A semente espúria da corrupção política apenas viceja quando encontra o terreno fértil do alheamento popular. E o que vemos hoje é a repetição de um cenário histórico, presente no fim dos governos militares e do governo Collor de Mello. Compete a cada um de nós impedir que ele venha a se repetir. Como igualmente já disse, o Brasil tem cura. Basta aplicar a medicação adequada.