No dia 10 de maio, última quarta feira, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil que diferencia cônjuge (casamento) e companheiro (união estável) na ocorrência de sucessão de bens, abrangendo tal reconhecimento às uniões heteroafetivas e homoafetivas.
A decisão foi proferida ao serem apreciados dois processos distintos, aos quais fora atribuída matéria de repercussão geral, um tratando de sucessão de bens em união estável para casal heteroafetivo, e outro para casal homoafetivo.
Com a aplicação do art. 1.790 do Código Civil, o companheiro supérstite de união estável teria direito a um terço dos bens de companheiro falecido, restringindo a possibilidade de atribuir-se a metade dos bens, como no casamento.
A controvérsia constitucional pairou sobre a legitimidade da distinção, para fins sucessórios, entre a família proveniente do casamento e a proveniente de união estável, a qual violaria a igualdade entre as famílias consagrada no art. 226 da CF/88, e assim a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil se justificou. Da mesma forma, observou-se para tanto também a violação de princípios basilares de igualdade, dignidade da pessoa humana, proporcionalidade e vedação ao retrocesso, já que impunha hierarquização entre famílias identificada na diferenciação de casamento e união estável em relação a herança.
A redação do Código Civil, embora tenha passado a vigorar em 2003, possui fundamentos de uma elaboração mais antiga, de 1970/1980, a qual deixou fatalmente de acompanhar evolução do conceito de família debatida e formada nos anos mais contemporâneos, conceito este fortemente associado à base do conceito de casamento.
O regime jurídico de sucessão legítima estabelecido no art. 1.829 do Código Civil, passou a subsistir como regra de participação na herança nesses casos tanto ao cônjuge quanto ao companheiro, ao ser declarada inconstitucional a distinção de regimes sucessórios nas hipóteses de casamento e de união estável.
O Ministro Marco Aurélio Mello votou pela manutenção da diferenciação das regras de herança, argumentando quanto a existência do direito de escolha entre união estável e casamento civil, sendo os indivíduos livres para apurar e eleger o regime de união. Todavia, o voto vencedor, do Ministro Luis Roberto Barroso, ponderou que apesar de serem institutos distintos, o casamento e a união estável, em relação a herança, devem ter o mesmo tratamento.
A decretação de inconstitucionalidade do 1.790 do Código Civil abrangeu a ocasião de união estável homoafetiva, suscitada no RE 646.721 interposto por companheiro de pessoa falecida em 2005 contra decisão do TJ/RS que lhe concedeu apenas um terço da herança, em vista da então natureza da união estável.
O reconhecimento anteriormente exarado pelo STF (ADI 4277 e ADPF 132) de união entre casais do mesmo sexo, equiparando às uniões heteroafetivas, implicou na utilização de argumentos semelhantes em ambos processos em questão. Ou seja, a discussão quanto a essência da união homoafetiva ficou em segundo plano, prevalecendo essencialmente a discussão entre as diferenças estabelecidas aos regimes sucessórios em casamento e em união estável, independente das orientações sexuais das partes.
A junção do julgamento dos recursos indica a pacificidade do posicionamento do judiciário quanto a não diferenciação das variações de formações familiares, e o reconhecimento natural da diversidade familiar, fortalecendo as ideias dos vínculos de família e laços de solidariedade humana em que se fundamentam as relações sociais.
Deniele Ribeiro Mendonça é vice-presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB/RO