Resisti às várias provocações para falar sobre a decisão tomada ontem, por maioria do Supremo Tribunal Federal, no sentido de permitir a execução imediata das sentenças penais condenatórias, confirmadas em segundo grau, sem aguardar o trânsito em julgado.
Mas os questionamentos vem dos colegas, dos alunos, e dos meus próprios filhos, de modo que não me nego a falar aos meus alunos.
Tenho afirmado, ao longo da vida, que constitucional é aquilo que o Supremo diz que é. Decorre da constituição, e não deve haver surpresa diante disso. De fato, o Supremo é o intérprete a quem foi confiada esta missão. Assim, doravante, assim será quanto ao momento do início de execução da pena, e isso é absolutamente certo.
Mas quero discorrer mais um pouco sobre a função do juiz, no Estado Democrático de Direito. Afinal, para que serve um juiz, senão para servir de instrumento para a concretização da vontade de um povo reunida em uma dada constituição?
Essa função de dar eficácia à Carta é o que me move nos mais de trinta anos de judicatura. Não poucas vezes, senti verdadeiro ódio dos fatos provados para minha apreciação. Mas jamais me ocorreu reduzir, suprimir ou de qualquer modo amesquinhar qualquer sombra de direito previsto ao acusado sob minha proteção.
Não dá pra se afastar dessa visão garantista tanto da carta quanto da função judicante, sob pena de se distanciar o magistrado de sua razão mesmo de existir.
Esse viés egoísta que nos conduz à concretização da eficácia da constituição é absolutamente legítima, uma vez que, na medida em que a faço concretizar para o outro, por pior que ele seja, torno normal que funcione também pra mim, quando dela eu eventualmente necessite.
Não vou falar da perplexidade que causa esse antagonismo radical entre a decisão de outrora e essa, mensageira de inacreditável insegurança constitucional.
Não vou falar da odiosa função dos presídios, verdadeiros institutos da vingança para os réus primários, que tem a opção de se associar a facções criminosas no comando, ou ver-se e à sua família instrumentos das mais pavorosas perversidades.
O que choca, o que causa desconforto, decepção, tristeza, e tantos outros sentimentos que traduzem impotência ante tão inexplicável decisão, é a certeza de que, nesse vácuo de legitimidade que vivemos, juízes se sentem no direito de interpretar segundo a vontade popular, jogando no lixo a carta escrita com tanto denodo e sacrifício.
Me parece claro que, à vista de distância entre constituição e vontade popular, impõe-se reescrevê-la, mas pelos meios clássicos de mudança, especialistas que somos nessa substituição sem revolução, sem sangue. Inafastável, nesse passo, a participação popular. A ninguém mais é dado fazer morrer a Constituição.
Me pergunto, diante das milhares de decisões modificadas pelos tribunais superiores todos os anos, o que será de nós, quando a injustiça se ver reparada somente após esse início açodado de cumprimento da pena.
“Saímos da idade da pedra, não por falta de pedra, mas por inovação tecnológica”. As mudanças que tanto se festeja na informatização do Judiciário são tão tímidas, mas tão tímidas, que na Casa do Whats App devem passar parte do dia caçoando de nós.
Que se empregue na Justiça comum a celeridade da Justiça Eleitoral, e não estaríamos agora chorando a morte de cláusula pétrea da Constituição Federal.
Tomara que o povo consiga, pelo menos nesse momento, se alegrar com isto. Já não terá sido em vão.
Walter Waltenberg é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia.