Que interesses subalternos teriam, afinal, movimentado a pena da procuradoria- geral da República, para conduzi-la a ingressar, intempestiva, extemporânea e inopinadamente, com a ADI 5.334, que pretende impedir a advocacia pública de integrar os quadros da Ordem dos Advogados do Brasil? Estaria a entidade em busca de uma cortina de fumaça ou introduzindo um “caco” no trágico roteiro da conturbada tragédia político administrativa lamentavelmente encenada pela realidade brasileira? Ou terá sucumbido às imensas pressões obrigatoriamente vividas pela natureza de sua área de atuação?
A PGR por certo não haverá de imaginar que tal atitude poderá contribuir para o aprimoramento institucional do país. Muito embora, pelo caminho inverso, ao invés de separar OAB e Advocacia Pública, o ajuizamento da ADI resultou no fortalecimento dessa ligação constitucional. E provocou manifestações de indignação e repúdio das entidades representativas da advocacia pública em todo o país. Tanto que pelo menos dez delas reuniram-se em ato na sede da OAB para registrar publicamente sua contrariedade, inclusive com a edição de uma contundente e fortemente embasada nota pública dos advogados estaduais “OAB SIM”, assinada pela diretoria da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal – ANAP.
No ato público conduzido pelo vice-presidente da Ordem, Claudio Lamachia, que representou o presidente Marcus Vinicius Furtado Coêlho, os líderes dos advogados públicos afirmaram que um eventual acolhimento da tese do Ministério Público levaria ao esvaziamento de suas funções e à perda de prerrogativas profissionais, ameaçando o trabalho em defesa da cidadania. “Em nenhum momento a advocacia pública deixou de contar com apoio da OAB. Estamos alertas para combater toda e qualquer medida que ofenda nossa dignidade e que comprometa nossa liberdade de atuação”, disse o presidente da ANAP, Marcelo Terto e Silva.
E exatamente nesse diapasão a nota “OAB SIM” manifesta a surpresa da categoria com o ajuizamento da ação e afirma que a matéria contida na ação corrompe a identidade profissional dos advogados públicos estaduais, que têm como centro de sua atuação profissional o exercício da advocacia no sentido posto no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. E acrescenta ser o Estatuto o instrumento com o que se revestem da inviolabilidade e independência próprias para a realização da importante função social que o ordenamento constitucional lhes confere: promover a orientação jurídica e a defesa do ente federado, em juízo ou fora dele;
E continua: “Às funções essenciais à Justiça constitucionalmente reconhecidas (o Ministério Público, a Advocacia – Pública e Privada, e a Defensoria Pública) foram deferidas prerrogativas próprias e fundamentais para o exercício das respectivas missões constitucionais. Para a advocacia, pública ou privada, essas prerrogativas sempre foram reguladas no Estatuto da Advocacia, ao qual todos os advogados se submetem, e se constituem em instrumentos fundamentais para o exercício legítimo da defesa dos seus constituintes, sejam contratuais ou institucionais, objetivando a construção da solução jurídica mais adequada, seja no campo administrativo ou judicial”.
O documento esclarece que os advogados públicos, antes de tudo, são profissionais inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil. Paulo Lobo, por exemplo, tão destacado na petição inicial da ADI 5334, sempre pontuou que o disposto do artigo 3º, § 1º, do Estatuto da OAB sempre foi compatível e conciliado com os diplomas legais das carreiras da Advocacia Pública, de forma a tornar a regulamentação profissional sistemática, integrada e harmônica, causando espécie a polêmica trazida pelo Procurador Geral da República neste estágio da história. E sentencia: “Os advogados públicos estaduais têm de preservar sua identidade de advogado e a vinculação à Ordem dos Advogados do Brasil, entidade que sempre esteve à frente das grandes questões da sociedade brasileira, soma importante peso à defesa das prerrogativas desses profissionais também por ela representados;
Mesmo o leitor distante da área do direito sabe que o processo judicial democrático pressupõe-se basicamente sustentado no tripé institucional Poder Judiciário, acusação, representada pelo Ministério Público, e Defesa, responsabilidade constitucionalmente atribuída à OAB. Tanto mais estarão o Estado e o cidadão atendidos na busca por justiça quanto maior for o equilíbrio de forças entre juiz, promotor e advogado. Não há que se buscar recursos filosóficos em Platão, Aristóteles ou Kant para alterar o raciocínio, porque nele reside o que os latinos definiram como “fumus boni Iuris”.
Qualquer investida no sentido do enfraquecimento de uma das partes é um atentado contra o direito, a justiça, a liberdade e à própria democracia, porquanto permite o fortalecimento da outra, para imposição de sua argumentação, seus conceitos e sua visão. A tentativa de promover a divisão da Ordem com a imposição de representação em separado dos advogados públicos e privados é mais uma atitude de espíritos autoritários que em nada contribuem para o aprimoramento do estado democrático de direito. Embora Kardec tenha ensinado que os espíritos sérios não perdem tempo tentando convencer os que não desejam acreditar na sua existência, a OAB não se descuida e está preparada para se apresentar e combater no foro próprio esta e quaisquer outras atitudes imperiais que possam surgir.
Andrey Cavalcante, presidente da OAB/RO