A pergunta não chega a merecer resposta, porquanto formulada por quem nutre proverbial repulsa pelas instituições – aí incluídas a Presidência da República e a própria democracia, à qual recorre para justificar seus arroubos autocráticos. Afinal, excelentíssimo senhor Presidente da República, Jair Bolsonaro, indica não saber para que serve o Congresso, que deveria ter servido, mas do qual comprovadamente serviu-se por quase trinta anos. E ensinou o caminho aos filhos. Demonstrou isso na tumultuada construção da maioria fundamental para a reforma da Previdência, pelo menos por enquanto, única pauta digna desse nome de seu inexistente plano de governo. Como esperar que sua limitada capacidade cognitiva lhe possibilite compreender a importância da defesa no processo judicial, personificada pela Ordem dos Advogados do Brasil?
“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. João 8:32 é frequentador
assíduo dos discursos de sua excelência. Mas, aparentemente, sua leitura dos
textos bíblicos só vai até aí. Ele não dá atenção, por exemplo, ao que diz João 2:21: “Não vos escrevi porque não soubésseis a verdade, mas porque a sabeis, e porque nenhuma mentira vem da verdade.” O presidente mentiu, ao acusar a OAB de conferir proteção ao sigilo telefônico de Adélio Bispo. E foi desmentido pela própria Polícia Federal. Não sabia? Difícil acreditar! Especialmente porque ele mesmo anunciou, durante a visita ao Japão, que a Federal cometeu o crime de informá-lo sobre o andamento de investigações sigilosas a respeito das candidaturas laranja de seu partido, o PSL. O caso envolve o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que teve um auxiliar e dois ex-assessores presos em desdobramento do inquérito.
Isso apenas comprova que presidente deixou o baixo clero da Câmara Federal, mas carregou na bagagem o velho hábito de escudar-se na imunidade parlamentar para espargir acusações irresponsáveis e absolutamente destituídas de qualquer fundamentação. O baixo clero não o deixou, como comprovam inúmeras declarações de palanque, sem o menor compromisso com a seriedade. Ou com a verdade. Seu comportamento na Presidência deveria, mais apropriadamente, induzi-lo a outro questionamento: “O que é que estou fazendo aqui?” A propósito do citado aparelho celular, a própria Polícia Federal, que é subordinada ao Ministério da Justiça, já informou que todo o material apreendido com o cidadão que atentou contra a vida do presidente já foi analisado e não há liminar impedindo os trabalhos dos investigadores, conforme esclarece nota da OAB Nacional.
O documento, assinado pelo presidente Felipe Santa Cruz, acrescenta que “Como o presidente pergunta, a certa altura, para que serve a Ordem, vai aqui a explicação. A OAB existe para fazer valer o compromisso de que todo advogado se incumbe em seu juramento, ao entrar na profissão.
Prometemos exercer a advocacia com dignidade e independência, observando a ética e as prerrogativas profissionais; defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis e o aperfeiçoamento das instituições jurídicas. A OAB existe porque sem advogado não há Justiça. E garantir as prerrogativas do advogado – de exercer livremente seu ofício – é condição essencial para que o direito individual do cidadão seja respeitado, em especial seu direito à defesa, que garante o equilíbrio da Justiça”.
“A dificuldade em enxergar a função e a importância da OAB talvez se explique pela mesma dificuldade de ter compromisso com a verdade, de reconhecer o respeito à lei e à defesa do cidadão e de assumir o espírito democrático que deve reger as relações de um governante com seu povo, suas entidades e as instituições estabelecidas pela Constituição” – conclui a nota. É provável que o senhor presidente disso se aperceba somente quando precisar de um advogado para defendê-lo. Ou para encontrar plausibilidade nos esclarecimentos à Justiça sobre o que andou fazendo o tal do Queiroz.
Miguel Reale Júnior lembrou, com justificada indignação, ter o presidente acrescentado em sua entrevista que (a OAB) de nada serve, “a não ser para defender quem está à margem da lei”. O brilhante advogado observa que “Até mesmo vindo daquele que exalta armas e as quer na cintura de muitos brasileiros, sempre se fazendo fotografar com sinal de revólver, até com criancinhas no colo, favorável à pena de morte, foi um desmedido acinte a sugestão de a Ordem dos Advogados ser contra a sociedade, por apenas servir para defesa dos “fora da lei”. Aliás, defender um criminoso não é demérito, como pensa o presidente, é uma das tantas árduas missões da advocacia”. Ele cita Rui Barbosa para lembrar que “O direito do mendigo, do criminoso, não é menos sagrado do que o dos detentores do poder, pois, com os mais miseráveis é que a Justiça deve ser mais atenta”.