Pode parecer um paradoxo o movimento da mulher advogada em defesa da paridade de gênero nas eleições da OAB. Por que, afinal, defender o equilíbrio entre homens e mulheres na direção e nos diversos setores colegiados de uma instituição cujo eleitorado já é majoritariamente composto por mulheres advogadas? Não seria uma tendência natural na realidade brasileira, que exibe números expressivos de participação feminina na Ordem? As razões, no entanto, vão além dessa conquista, que conta com o integral apoio do presidente da OAB Rondônia, Elton Assis. Foi dele, inclusive, um dos votos favoráveis, quando conselheiro federal e ouvidor nacional da Ordem, à aprovação da cota de 30% de participação feminina obrigatória, atualmente vigente.
O presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, recebeu – e apoiou – a proposta de paridade de gênero nas eleições do sistema OAB. A questão foi discutida pela Comissão Especial de Avaliação das Eleições no Sistema OAB, que decidiu pela necessidade de elevação dos atuais 30% mínimos de representação por gênero para um equilíbrio de 50%. “A nossa diretoria tem compromisso com a luta institucional pela igualdade de gênero” – disse Felipe Santa Cruz, ao se comprometer com a mudança e a levar a proposta para ser apreciada pelo Conselho Pleno da OAB. Uma vez aprovada, a paridade terá que ser encaminhada ao Congresso, já que implica na necessidade de alteração da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB, arts. 55, 59, § 2º do art. 60 e § 4º do art. 62).
Não se vislumbra a possibilidade de haver qualquer obstáculo à aprovação da matéria no âmbito do Conselho Pleno da Ordem. A advocacia nacional ali representada tem plena consciência do exponencial crescimento da presença feminina na OAB e concorda plenamente com a necessidade de adoção dessa nova realidade. Mas será necessária a realização de um intenso trabalho de convencimento no Legislativo, onde sempre poderá haver alguma rejeição autoexplicativa. Ademais, sempre haverá aqueles cujo raciocínio pode não superar a premissa equivocada de que as mulheres são maioria na população brasileira e, portanto, não necessitariam de medidas protetivas, por regra, destinadas às minorias.
Esbarra-se aí no raciocínio oblíquo – aquele, tortuoso e vesgo, que conceitualmente se desvia tanto do paralelismo quanto da perpendicularidade, para justificar um efetivo desvio da questão original. Reflexo do preconceito histórico brasileiro, camuflam traços culturais que de razão conhecem pouco, mas permanecem dissimuladamente incrustados, prontos a rebelar-se contra qualquer tentativa de mudança paradigmática. Na verdade, embora não sejam minoria no país, as mulheres são tratadas como tal.
“O conceito de minoria não se resume a números estatísticos. Verdadeiramente, o grau de opressão e a ausência de voz na sociedade é que expressam com fidedignidade sociológica a condição minoritária de determinados segmentos e estamentos sociais, no caso o das mulheres cujo acesso ao ensino superior aconteceu apenas no século XX, e o direito a voto só foi conquistado, plenamente, em 1946”, observava em 2018 o acadêmico Augusto Azevedo, em excelente artigo, publicado em 2018 no site Politize!
Está justamente aí a importância transcendental da vitória do movimento das mulheres advogadas pela paridade de representação na OAB. Ao obter a conquista, o movimento recebe, além do apoio institucional da Ordem, a credibilidade que a OAB possui junto à sociedade. Os reflexos haverão de beneficiar inclusive os partidos políticos, que enfrentam gravíssimas dificuldades – inclusive legais – para consolidar a representação constitucional mínima de 30% de mulheres nas nominadas eleitorais. Sintoma dessa dificuldade é a reduzida representação feminina na Câmara e no Senado. O que acontece, da mesma forma, nas assembleias estaduais e câmaras dos vereadores.
A falta de correlação indica que o mau desempenho das mulheres nas eleições brasileiras não tem a ver com as características do eleitorado em termos de nível de renda, educação ou saúde nas cidades brasileiras. Não são os mais pobres, ou os menos escolarizados, ou os moradores dos rincões do país que votam menos nas mulheres – somos todos nós. Ou seja, não levar as mulheres a sério nas eleições é algo disseminado pelo território brasileiro. Está claro que isso decorre do fato de que apenas recentemente, em termos históricos, as mulheres conquistaram direito ao voto. Daí a importância da paridade na OAB, que trará reflexos positivos para a sociedade como um todo.
*Rebeca Moreno – OAB/RO 3997. OAB/DF 63.195. Advogada. Sócia Escritório Rebeca Moreno Advocacia.