Em seu artigo 1º, nossa Constituição enunciou que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito.
Com efeito, elaborada em 1988, o constituinte, ouvindo ainda o eco do regime de exceção que acabávamos de vivenciar, a Constituição foi utilizada para estabelecer uma série de direitos, matérias próprias de regulação da lei ordinária e, assim, tratou desde normas trabalhistas, sindicais, procedimento do processo administrativo, etc., o que não é conveniente.
Pois bem.
Conquanto ainda não haja estudo a propósito, penso que a adoção desse flanco genérico na Constituição, a fim normatizar direitos sem matizes Constitucionais, tem-na proporcionado um certo menosprezo que a leva sofrer constantes violações de suas normas, algumas graves, qual a do desfecho do Impeachment, da presidente destituída, praticadas, sobretudo, por autoridades e agentes públicos, que prestaram juramento a cumpri-la.
Destarte, o menoscabo pela Constituição foi a tônica nos últimos governos da República, a ponto de se acharem acima da lei e do direito; cometerem crimes e se postaram como inocentes. Nesse contexto, assistimos à cartada final da arrogância contra a Carta da República, que foi rasurada, e o Estado de Direito Democrático degradado, mediante a manobra sorrelfa coordenada pelo Presidente da Instituição estabelecida para ser sua “guardiã,” o STF, ministro Ricardo Lewandowski, juntamente com o Presidente do Senado da República, senador Renan Calheiros!
Essa vil e indigna atitude se fez com vertente sui generis: se o quórum da votação do Impeachment é qualificado (2/3 dos membros do senado); e, se o conteúdo da pena é integrado pelo impedimento e a inabilitação para funções públicas, o quórum da votação para excluir a pena de inabilitação para função pública há de ser o mesmo, isto é, dois terços, por se tratar do mesmo julgamento, mas, isso não foi observado.
Com efeito, assistimos a uma verdadeira chicana articulada no senado da República contra o interesse público, gênese da ordem constitucional.
Constatou-se que, de forma patética, inventou-se uma espécie de “dosimetria” da pena na condenação do impeachment a fim de, pessoalmente, beneficiar a madame presidente “inocente,” violando, com isso, pasmem, senhores, além do parágrafo único do artigo 52 da Constituição, também seus artigos 5º, que vela o princípio da igualdade, isto é, de que todos são iguais perante a lei, e o 37, que impõe a qualquer dos Poderes da União, obediência aos princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade.
Há de salientar-se, ademais, perpassar às essas violações explícitas do texto constitucional, a avalanche de imoralidade que atingiu frontalmente o Estado de Direito Democrático; e isso se fez com a maior naturalidade, com a exibição de um exemplar da Constituição, como a dizer, isso se joga no lixo, e há de se atender a conveniência e o interesse da ré; tudo ao talante de favor pessoal.
Refiro-me ao fato de a decisão de aplicação da pena do Impeachment haver sido fracionada de modo a não aplicar a pena contida no texto constitucional, malgrado a decretação da perda do cargo, retirando, contudo, o efeito da condenação no tocante à inabilitação para o exercício de função pública. Foi algo inusitado e temeroso que, se for perscrutado na essência, pode revelar improbidade administrativa
E não venha o Sr. Ministro Lewandowski dizer que nada poderia fazer frente ao Regimento Interno do Senado! Ora, desde quando um regimento está acima da Constituição?
Pasmem, senhores, o ministro estava como chefe do Poder Guardião da Constituição!
Como se permitiu compartilhar da prática de ato tão nocivo a ela?
Em que país estamos?
Bem, vamos ao percurso da tragédia: O parágrafo único do Artigo 52 da Constituição é norma de conteúdo integrado e cogente, isto é, à pena de condenação no Impeachment é composta de, “a perda do cargo com a inabilitação por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.”
A bem dizer, a desfaçatez foi tal, que se imolou verdadeira fraude no julgamento fracionando a pena onde não há previsão, a fim de suprimir a parte de inabilitação para funções públicas, criando uma espécie de redução do quantum, como se fosse permitida, no caso, a redução da pena, que sói acontecer no processo penal, de cuja hipótese não se tratava.
Infere-se, pois, do ato patético dos insignes Presidentes dos dois Poderes da República, uma cena de comédia humorística, que revela o evidente propósito de negar vigência à parte dispositiva final da norma constitucional infringida; por isso, a supressão ilícita de parte da pena imposta pelo texto da Constituição é, além de pífia, inusitadamente inconstitucional!
Pois bem, e o que fazer?
O problema é grave! Se vivemos num país sério, os guardiões da Constituição que não compactuaram dessa trágica ofensa ao Estado de Direito Democrático, hão de declarar a inconstitucionalidade do ato de cisão da pena, restabelecendo, em consequência, os efeitos do texto da constituição.
E, diga-se, assim devendo fazê-lo, nem tanto por necessidade de impor punição exemplar à ré, mas, sim, como reposição solene do respeito à ordem constitucional democrática, vilipendiada pelo ato nefasto, que não pode estabelecer paradigma ou precedente no âmbito institucional.
Ora, os dois senhores, que ocupam cargos dos mais elevados da República, que se tem por abrigo de respeito, praticaram o ato como se estivessem em solilóquio entre amigos, de maneira patética e sem demonstrar preocupação com a gravidade das consequências às institucionais e ao Estado de Direito e a Democracia.
Ato consumado, fala-se que a impugnação desse imbróglio, importaria em nulidade de todo o processo de Impeachment.
Não vejo fundamento lógico nessa assertiva. Salvo se, efetivamente, admitir-se que estamos diante da imprevisibilidade do Supremo Tribunal na sua composição atual.
Do contrário, ao que entendo, o ato de fracionamento ou cisão da aplicação da pena do impeachment, tão só a fim de suprimir parte dela, contra a Constituição, é plenamente inconstitucional.
Com efeito, ato inconstitucional não tem eficácia, isto é, não produz efeito. Logo, ao Supremo basta declarar a inconstitucionalidade parcial do ato no tocante à cisão ou divisão ilegal da pena para excluir um parte.
Decerto que, com a decretação do impeachment mediante o devido processo legal, declarada a inconstitucionalidade do ato que violou a Constituição para excluir parte da pena, restabelecer-se-á a aplicação do texto constitucional, com conteúdo nele previsto. Isto é, a decisão do Supremo não deve ser para decretar a nulidade da decisão do Senado, mas, para declarar a inconstitucionalidade da parte da decisão que violou a Constituição cindindo a aplicação da pena, com a exclusão de parte e, com isso, repita-se, prevalecerá a pena prevista no indigitado dispositivo da Constituição.
Não me parece deva ser outra a solução. Salvo, conveniência.
Em conclusão, lembro que, fundamentalmente, o STF tem a atribuição de guardião da Constituição da República. Disso decorre que, sua concepção em circunstâncias tais, diante de atos que firam o “plexo” constitucional, deve ser a de primar por restabelecer a ordem, a verdade a e credibilidade, atributos da razão como valor positivo do exercício da inteligência. Assim o fazendo, restabelecerá a ordem jurídica, que está vincada por essa hipocrisia que banaliza a ordem Constitucional.
Logo, não se há de permitir a consolidação dessa excrescência, como vil precedente a degradar a ordem constitucional, e a desestabilizar a segurança jurídica, comprometendo o cerne do Estado de Direito Democrático, na sua verdadeira compreensão metafísica.