A considerar os acontecimentos recentes, com destaque para o perdão total aos irmãos Joesley e Joelson Batista, a violação constitucional da proteção ao sigilo da fonte, com a divulgação da conversa telefônica do jornalista Reinaldo Azevedo e a declaração do ministro Edson Fachin, que admitiu ter recorrido aos préstimos da JBS para ser aprovado na sabatina do Senado, mostra indicativos de que os mais perigosos riscos da operação Lava Jato estão entre os próprios operadores. A verdade é que a persistirem os erros em cascata, que já provocaram reação indignada da própria ministra Carmem Lúcia, presidente do STF, como no caso do jornalista que se demitiu de Veja por conta da divulgação da conversa, os parlamentares sob investigação poderão dispensar o engendramento de eventuais alternativas para frear a ação da PGR/PF/STF. A operação será condenada a perder o apoio do que é seguramente seu maior sustentáculo: a opinião pública, já indignada, conforme expressam as redes sociais, com os surpreendentes benefícios concedidos aos delatores da JBS. Em defesa de Fachin um ministro do Supremo chegou a dizer, para minimizar o episódio, que “não há culpa pretérita”. Então não?
A tentação totalitarista, já evidenciada e denunciada pela OAB em diversos pontos das “dez medidas contra a corrupção” – um apanhado de sugestões apresentadas pela própria Ordem, acrescido de excrecências, exorbitâncias e superfluidades atentatórias à constituição e ao estado democrático de direito – tem conduzido a PGR à perigosa situação próxima do estado policial. Denúncias de criminosos conhecidos ganham contornos de verdade a partir de vazamentos claramente estimulados e jamais identificados e punidos. Acusações não devidamente investigadas e não levadas à justiça são entregues ao justiçamento da opinião pública. Os enganos, quando apurados, são meramente esquecidos, mas ao mal que causaram às diversas reputações não é mais possível remediar. Exemplo disso é o vazamento “equivocado” da gravação de uma conversa mantida pelo jornalista Reinaldo Azevedo com uma fonte, a irmã do senador Aécio Neves, em clara afronta ao princípio constitucional de sigilo da fonte e absolutamente alheia ao inquérito. Isso gerou protestos, admoestações, esquivas e mais nada. O caso foi objeto da ação cautelar 4316, impetrada junto ao relator da Lava Jato, ministro Edson Fachin, pelo escritório do advogado Roberto Podval, a cujo quadro societário tenho a honra de pertencer em Brasília.
Além de exigir as providências necessárias para se apurar os fatos, ele anui que não se pode simplesmente colocar panos quentes sobre este evidente problema. “Sem considerar os evidentes danos morais sofridos pelo peticionário, a serem eventualmente pleiteados em esfera própria, há de se reconhecer que houve, ao que parece, crimes previstos, em tese, no art. 10 da Lei 9.296/96 e no art. 325 e parágrafos do Código Penal”. Ele pede que a mesma atitude ferrenha com que se apuram os crimes da Lava Jato seja adotada para apurar outros fatos, ao menos em tese, criminosos. E o faz na esperança de que esta Corte não fechará os olhos para o abuso de poder, para o desrespeito sorrateiro à Constituição Federal, aos princípios internacionais que regem a liberdade de expressão e, principalmente ao próprio Estado Democrático de Direito.
O episódio, que “nos enche de vergonha”, conforme desabafou o ministro Gilmar Mendes, torna difícil entender de forma diversa a ocorrência de uma retaliação contra o jornalista – crítico feroz das precipitações exacerbadas dos envolvidos com a operação. Em Porto Velho o ministro Luiz Roberto Barroso declarou que Fachin está envolto em pressões e precisa de proteção institucional. E foi além, ao declarar que uma eventual revisão do acordo com os donos da JBS seria “deslealdade” do estado. Com o que então bandido pode ser desleal com o Estado e o Estado não pode ser desleal com o bandido? Cabe, sim, ao estado, reparar desvios de conduta ética eventualmente praticados por seu agente de qualquer dos poderes. Esse raciocínio se assenta no primado do contrato social, único mecanismo que justifica a existência do Estado, enquanto instituição. Não fosse assim não haveria diferença entre o Estado e a Cosa Nostra!
Mensagem do presidente Luiz Viana, da OAB/Bahia assinala que malgrado a sofisticação do argumento, o ministro Barroso faz tábula rasa do princípio da legalidade: “A ética do Estado é a ética da lei. Os atos administrativos inclusive os contratos ou são plenamente legais ou são inválidos. A avaliação não passa pela ética e sim pela legalidade. As delações premiadas são contratos submetidos a requisitos legais gerais a todos os contratos administrativos e também aqueles requisitos legais específicos previstos na Lei 12850. Se estiverem satisfeitos todos os requisitos legais para validade e eficácia das delações, não pode haver revisão unilateral do contrato por nenhum dos contratantes. Se não estiverem atendidos, é dever da administração pública ou do juiz rever o ato reconhecendo sua invalidade. A avaliação portanto não passa pela ética mas sim pelo direito. O ministro Barroso está errado!”