O limite extremo a que tem chegado a verdadeira sanha punitivista que assola o país, estimulada pela grande imprensa e viralizada nas redes sociais decorre de fatores diversos, nenhum deles saudáveis. As dificuldades, insatisfações e revoltas geradas pelas crises econômicas, política, de segurança e especialmente moral resultaram em um verdadeiro caldo de cultura. Uma neurastenia, que mistura elementos de ordem psicológica, sociológica, política e cultural. E constitui o ambiente propício para a geração de fatos, tendências e opiniões. Mas tem sido invariavelmente explorados na mobilização da sociedade para favorecer as acusações, mas geram o justiçamento prévio de qualquer cidadão, antes e acima das decisões judiciais, da constituição, do processo legal e do direito à ampla defesa.
O que se observa nas redes sociais, como resultado do esforço de mobilização do público para influenciar decisões judiciais, com vazamento de denúncias e criminalização dos advogados, é que ninguém mais está amparado pelos direitos constitucionais. Todos são preliminarmente culpados até que se prove o contrário, quando, então, a humilhação dos inocentes já terá produzido danos irreversíveis ou até a morte, como no caso do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, da UFSC, doutor em Direito. O suicídio a que foi levado por uma decisão judicial precipitada, favorável a uma denúncia mal investigada que o conduziu à prisão e à proibição de entrar na Universidade, caminha para o esquecimento da mídia e já desapareceu das redes sociais. Não serve mais nem como exemplo para orientar e evitar eventuais casos correlatos. Ele foi punido por uma suposta “obstrução da justiça” na investigação de desvio de verbas da qual não se conhece até agora exatamente qual o valor desviado e, à falta disso, estabeleceu-se o valor de R$ 80 milhões – soma de todos os recursos repassados pelo MEC para Educação à Distância (EaD) de 2005 a 2015.
Este é o cenário brasileiro das dificuldades vividas no cotidiano da advocacia criminal. A mídia, que faz com que seu o papel contramajoritário seja deixado de lado no judiciário em nome de uma suposta pacificação social.
Acredito que, como diz em bem fundamentado artigo Domingos Barroso da Costa, especialista em criminologia com mestrado em psicologia, no contexto que hoje se apresenta, “a democracia e o Estado de Direito são as únicas — primeiras e últimas — escolhas possíveis em contenção ao estado de barbárie instaurado pelos nossos índices de violência e criminalidade — inclusive institucional. E o respeito à lei — a contenção diante de suas garantias e a racionalidade em sua aplicação — não é opção, mas dever que se impõe não só ao Poder Judiciário, mas a todas as instituições e funções que interagem para estruturar o sistema penal”. É preciso reconduzir o Brasil ao saudável caminho do domínio da razão sobre a barbárie. A reconstrução econômica – queda nos índices de desemprego, controle da inflação, queda nos juros e fim dos índices negativos do PIB – não nos parece, porém, tarefa tão hercúlea quanto a recuperação moral, que apenas poderá acontecer a partir da mobilização de todos os cidadãos de bem.
Não se pode esquecer que um dos aspectos mais danosos dessa sanha punitivista é a humilhação de um inocente. É preciso lembrar sempre o episódio da jovem estudante que esmurrou o caixão do reitor no velório para cobrar: – “Aonde estão os R$ 80 milhões?”. Foi a extensão para toda a família e amigos da humilhação que levou Cancellier ao suicídio. “A humilhação é a bomba nuclear das emoções”, segundo a psicóloga alemã Evelin Lindner, autoridade mundial num ramo da psicologia que estuda o peso da vexação em sociedade e sua relação com atos de violência — como o terrorismo e o suicídio, que, não por acaso, andam juntos. “Se a culpa é uma dor que vem de dentro, a humilhação é como uma dor que vem de fora, imposta pelo olhar alheio. É sentida como uma falência em público. Sai cortando fundo no orgulho, na honra, na dignidade, e tende a ficar marcada como uma cicatriz”.