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Artigo: “Sentença Histórica”, por Viriato Moura

Página Inicial / Artigo: “Sentença Histórica”, por Viriato Moura

“Não sendo possível fazer-se com que aquilo que é justo seja forte, faz-se com que o que é forte seja justo.”

Blaise Pascal

O juiz federal Dimis da Costa Braga exarou recentemente (dia 26 de março) uma sentença histórica para a aqueles que se identificam afetivamente com esta terra. Esse documento jurídico pode ser assim tipificado face a três motivos basilares. O primeiro, por se referir à nossa Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, a mãe do estado de Rondônia, relegada ao abandono há muitas décadas, e que teve parte importante do que dela sobrou parcialmente destruído no ano passado pela maior enchente de todos os tempos do rio Madeira. O segundo, por ter sido lavrada por um dos magistrados estudiosos da nossa história, que conhece como poucos o significado da velha ferrovia para nossa gente. O terceiro, pelo jeito como ele contextualizou com destaque na sentença nossos lídimos sentimentos nativos.

A despeito do muito que já fez e continua fazendo por Rondônia e pelo Brasil, a Justiça Federal, através de sua Seção Judiciária de Rondônia, a sentença em epígrafe reveste-se de peculiaridades que merecem ser enfatizadas.

Aqueles que verdadeiramente amam este pedaço longínquo do país, que sabem o que a lendária Madeira-Mamoré representa para o surgimentos do nosso estado, há muito vêm amargando a apatia de autoridades à essa ação deletéria dos anos que carcome o que restou dessa obra construída entre os anos 1907 e 1912, considerada a maior epopeia do século XX.

O abandono da nossa ferrovia ofende a memória dos bravos cidadãos nacionais e estrangeiros que a construíram. Operários que enfrentaram uma verdadeira guerra contra as intempéries da maior floresta tropical do mundo, saindo perdedores na maioria das vezes, mormente abatidos pelas enfermidades que quase os dizimaram completamente. Ofende também a todos nós que aqui vivemos há muito — e nutrimos sincera afeição por esse rincão pátrio — ao vermos ceifado cronicamente o nosso direito de ter respeitados os valores nativos, nossos patrimônios histórico e cultural.

Ao redigir sua sentença, o insigne juiz denotou compartilhar conosco nossas indignação e revolta preservacionistas, como se fosse um dos nossos desde que nasceu (ele é de Lábrea (AM) e chegou a Rondônia para exercer a magistratura em 2013 após prestar relevantes serviços à Justiça brasileira no Amazonas e em outras regiões do país). O magistrado explicitou esses sentimentos incluindo, logo no início de sua peça jurídica, citações em prosa e versos de textos selecionados de autores locais, que militam há décadas em favor das nobres causas nativas. Todavia, em nenhum momento se deixou levar por emoções que pusessem em risco o ordenamento jurídico a ser seguido em direção à sentença justa — condição pétrea para atingir esse objetivo. Apenas quis atribuir mais autenticidade, através de referência desses escritos, ao sentimento neles gerado pelo descaso em julgamento.

Quem conhece mais de perto o ilustre jurista ou até mesmo teve acesso as suas eloquentes e reiteradas declarações sobre a importância de proteger a nossa memória nativa e tudo que ela representa, em particular o maior de seus patrimônios, a EFMM, sente que em suas palavras há algo além daquelas exigidas para o estrito cumprimento de seu dever de ofício: ele, profundo conhecedor de nossa história (discorre sobre ela com a fluidez de quem domina o assunto), alicerça com precisão cirúrgica sua fundamentação no citado documento. Certamente por isso se pode afirmar que a histórica sentença por ele esculpida atingiu a excelência por não estar embasada apenas em seu extenso saber judicial; mas também no amor que cultiva por essas terras de Rondon, gerado no convívio com sua gente simples e hospitaleira. Isso atesta que a isenção necessária, a imparcialidade para se fazer justiça não impõe ao magistrado que se abstenha da percepção humanística e até emocional dos fatos. Muito pelo contrário: onde há seres humanos envolvidos é preciso conhecer e reconhecer a humanidade implícita a cada individuo para decidir com a razão o que fazer justiça exige.

Portanto, o robusto conhecimento jurídico, a retidão de conduta e a consistente cultura humanística do juiz Dimis da Costa Braga fizeram da sentença por ele proferida à ação civil pública que teve como requerente a Ordem dos Advogados do Brasil — Seccional de Rondônia, presidida pelo jovem advogado porto-velhense Andrey Cavalcante, o mais importante documento em favor da restauração e preservação do que sobrou da nossa da EFMM.

Resta-nos esperar as consequências pragmáticas favoráveis que certamente decorrerão dessa sentença. Mas sem baixar a guarda, como diligentes sentinelas avançadas que jamais desistirão de um dia ver recuperado que é possível recuperar das ruinas do berço do pujante estado de Rondônia que tanto amamos.

Fonte da Notícia: Gente de Opinião

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