O Rei Salomão (900 a.C) disse em um de seus provérbios que “Até mesmo o louco passará por sábio, se conservar sua boca fechada…”. Pena que muitos governantes brasileiros ainda não entenderam a fala do sábio Salomão, caso contrário até se passariam por sábios!
A campanha nacional chamada “Setembro Amarelo” tenta chamar a atenção da sociedade sobre os alarmantes índices de suicídios que acontecem todos os dias no Brasil. Semana passada eu estava peticionando em uma sala da OAB, quando ouvi a conversa entre dois advogados. Um dizia ao outro:
– Você se lembra da “Lurdinha”?
– Sim, aquela mocinha que é nossa vizinha?
– Sabia que ela suicidou-se?
Infelizmente, essa é uma realidade que ocorre todos os dias no país. Estatísticas mostram que, somente em 2015, aconteceram no Brasil mais de 12 mil suicídios. A Organização Mundial de Saúde afirma que 96,8% dos suicídios têm ligação direta com transtornos mentais (afetivos, depressão, dependência química e esquizofrenia). Sendo que estudos comprovam que 09 entre cada 10 suicídios teriam sido evitados, se houvesse tratamento adequado, com atendimento especializado e internação em hospitais psiquiátricos.
Ao longo da história, existiram vários exemplos de políticas públicas na área de “saúde mental”, as quais prometeram resolver a grave situação da demência, a qual já afligia a sociedade nos tempos passados. Algumas muito violentas e torturadoras para os tempos atuais, mas que no século passado, parecia ser a melhor solução para se resolver o problema dos doentes mentais. Entre os tratamentos aplicados, destacamos a tradicional: “labotomia”, técnica baseada na retirada total ou parcial do lobo frontal do cérebro do paciente, outra prática eram os choques elétricos de alta tensão na cabeça, ou a técnica do sangramento, no qual o doente mental era submetido visando à cura.
Há alguns anos atrás, era comum ouvirmos falar de remédios tais como: Aspirina, Melhoral infantil, Metiolate, e tantos outros. Porém, nos dias de hoje, os remédios mais popularmente conhecidos são aqueles estritamente de uso psiquiátrico e neurológicos, tais como: Rivotril, Diazepam, Haldol, Tegretol, Gardenal, Ritalina e tantos outros calmantes e antidepressivos, rotulados por tarjas pretas e controlados por receitas médicas.
As doenças mentais estão entre as maiores causadoras de incapacidade em todo o mundo, gerando inexorável ônus social e financeiro. Conceituada como transtorno de grande complexidade, a doença mental, envolve fatores biológicos, familiares, sociais e ambientais. Afetando não somente ao doente, mas também, adoecendo outras pessoas da família, impondo à comunidade um alto custo social, onde todos correm risco, assevera o Conselho Federal de Medicina e a Associação Brasileira de Psiquiatria.
De acordo com o CFM, hoje somam no Brasil cerca de 23.0000 (vinte e três milhões) de pessoas com transtornos mentais. Sendo equivalente a 03% da população nacional, com estimativa de que 12% da população, que provavelmente, necessitarão de tratamento em saúde mental, em algum momento da sua vida.
O grande contrassenso disso tudo é que o Governo Federal, por meio do Ministério da Saúde, aproveitaram-se da Lei Federal 10.216/2001, que dispõe sobre a Proteção e Direitos das Pessoas Portadoras de Transtornos Mentais, redirecionando o Modelo Assistencial em Saúde Mental, promoveu o fechamento dos Hospitais Psiquiátricos Especializados e de 90.000 (noventa mil) leitos psiquiátricos no país, impedindo as internações psiquiátricas de pessoas com graves transtornos mentais, sentenciando estes doentes mentais a ficarem em suas famílias, sem condições de atendê-los, agravando ainda mais a situação e colocando em risco suas vidas e a sociedade em geral.
Ao que parece, os governantes brasileiros perderam a oportunidade de passarem por sábios, ao publicar, erroneamente, Portarias Ministeriais, supostamente com base na Lei Federal, suprimindo garantias dos direitos dos portadores de doenças mentais. Segundo o Conselho Federal de Medicina e a Associação Brasileira de Psiquiatria, a Coordenação Nacional de Saúde Mental vem induzindo o descumprimento da Lei Federal 10.2016/2001, através de distorções da “letra da lei”, em tese de forma propositada, repassando informações inverídicas sobre a proibição de internações psiquiátricas. Inclusive divulgando em hospitais, faculdades e universidades ligadas à saúde.
Foram criados CAP’S, com atendimento extra hospitalar às pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, também para usuários de substâncias psicoativas; todavia, insuficientes, sucateados, sem recursos humanos capacitados e inadequados para receber doentes com transtornos graves; tornam-se perigosos, colocando em risco a segurança e integridade física dos próprios pacientes, familiares, funcionários e da própria sociedade. A verdade é que fica mais “barato”, para os governantes, bancar com os custos do atendimento “paliativo”, do que “bancar” com o devido tratamento médico hospitalar de um paciente com transtornos mentais. Por isso, fomentou uma política que tem gerado tantas consequências drásticas, como o exacerbado aumento do número de suicídios em todo o Brasil.
Conforme a Lei Federal 10.216/2001, o Estado possui a responsabilidade de desenvolver a Politica Nacional de Saúde Mental, com base numa Rede Integral de Tratamento, nos diversos níveis de complexidade, de acordo com as necessidades dos pacientes. As inverdades difundidas trouxeram consequências desastrosas, vidas perderam-se, os direitos humanos foram violentados. Chegou a hora de darmos um basta nesta loucura institucional, calando-se para ler, ouvir e refletir, transformando “loucos” em sábios; socorrendo e salvando aos doentes mentais do país, salvando-se a si mesmo.
Esequiel Roque do Espírito Santo é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB Rondônia.