Alguém escreveu que “o silêncio da justiça ofende a cidadania, avilta o estado democrático de direito, apunhala a liberdade e apequena o Judiciário”. O raciocínio, embora um tanto carregado de radicalismo, não deixa de expressar a indignação popular contra o encapsulamento de informações em processos sigilosos. A realidade nacional indica que, antes de trabalhar pela justiça, a medida acaba por se tornar instrumento a serviço de interesses personalistas e mesquinhos, com a divulgação criminosa e seletiva de partes dos autos. Isso acaba por minar a credibilidade do próprio judiciário e espargir ansiedade em meio à população, pelas incertezas que promove em relação ao futuro político da nação. O cidadão, afinal, acaba por constatar que a ação das autoridades, sobre a qual repousam as esperanças de fortalecimento do estado democrático de direito, são direcionadas para o favor de interesses diversos.
Em manifestação inequívoca contra o cerceamento de informações, o Conselho Pleno da OAB aprovou, por unanimidade, a proposição do presidente Claudio Lamachia para encaminhar requerimento ao Supremo Tribunal Federal (STF), para o levantamento do sigilo da delação do ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado. A medida tem a mesma base do pedido feito pela entidade no episódio envolvendo o então senador Delcídio do Amaral, em que trechos da delação já estavam sendo divulgados pela mídia. A OAB quer garantir para os profissionais que atuam no caso o pleno acesso aos autos, além de assegurar que a sociedade saiba exatamente o que está acontecendo, de maneira transparente. O presidente destacou que a OAB quer assegurar aos advogados dos citados a garantia plena de sua livre atuação, bem como o amplo direito de defesa, conforme determina a Constituição. “Vivemos uma crise ética sem precedentes, que dá a sociedade uma oportunidade ímpar de depuração da classe política brasileira. Quanto maior a transparência sobre o conteúdo e a possibilidade de acesso a ele pela sociedade, melhor para o Estado Democrático de Direito.”
E mais: em ofício encaminhado esta semana ao ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, a OAB requereu a edição de ato normativo para proibir a tramitação de processos classificados como ocultos nos tribunais de todo o País, medida já adotada pelo ministro no âmbito do Supremo. A OAB destaca que o direito de total acesso à informação inclui o livre conhecimento sobre quaisquer feitos em tramitação no Judiciário, de modo que a sua classificação como “oculta” não se coaduna com os princípios do Estado Democrático de Direito. Vale lembrar que a Lei de Acesso à Informação (Lei Federal nº 12.527/2011) e a Lei da Transparência (Lei Complementar nº 131/2009) impõem à Administração Pública maior transparência sobre os atos por ela praticados. “Ademais – acrescenta Lamachia – o estado democrático de direto assenta-se no pilar da soberania popular, o que enseja a obrigatoriedade da disponibilização das informações da atividade administrativa aos cidadãos”.
O documento lembra que o acesso do público a esses processos “ocultos” é extremamente restrito, pois constam como inexistentes nos sites Tribunais. Pior: o sigilo de que são revestidos difere dos processos em segredo de justiça, sobre os quais são disponibilizados alguns dados, tais como as iniciais das partes, a data de autuação, nome do relator e jurisdição, o que torna possível um acompanhamento mínimo. A Constituição Federal/88, em seu art. 37, caput, assevera que os atos da Administração Pública devem ser pautados em observância ao princípio da publicidade. E a extinção da tramitação “oculta” oferece transparência aos atos praticados. Trata-se – importa salientar – de um direito fundamental, estabelecido no artigo 5º da constituição.
Com relação à delação de Sérgio Machado é inadmissível que a população seja informada apenas pelos trechos vazados para a imprensa, o que estimula a especulação e em absolutamente nada contribuir para a necessária transparência da ação judicial. Além disso, o sigilo compromete irremediavelmente o direito constitucional à ampla defesa, além de incorporar um forte componente político ao trabalho da justiça. A OAB já deixou claro que seu partido é o Brasil e sua ideologia é a constituição, que não pode ser violentada por pretexto algum. Nem mesmo contra a corrupção, pois o estado democrático de direito não admite o combate ao crime com práticas ilegítimas. Se os políticos envolvidos merecem ser punidos é à justiça que cabe decidir, através do devido processo legal. Afinal, a lei vale para todos, inclusive para aqueles responsáveis por fazê-la valer.