Pode o STJ recorrer à hermenêutica para justificar um procedimento que contraria frontalmente o que o legislador deixou claro no texto Lei nº 5.925, de 1.10.1973? Claro que não! A lei estabelece em seu parágrafo 3º que “Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos: o grau de zelo do profissional; o lugar de prestação do serviço; a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço”. Em momento algum a intenção do legislador indicou algo diferente disso ou admitiu que o julgador extrapolasse os limites estabelecidos entre 10 e 20%. E não há hermenêutica que autorize o STJ a incorporar o direito de legislar em lugar do Congresso.
O estado democrático de direito não admite isso. A novíssima teoria da interpretação inaugurada agora pelo STJ incorpora ao texto legal, proposições e pressupostos, absolutamente distantes do real significado daquilo claramente especificado no texto legal. Não se pretende determinar o encapsulamento da lei, que deve, sim, acompanhar a evolução da sociedade. Mas o foro que Constituição delega tal poder exclusivamente ao legislativo, não ao STJ. Ademais, é no mínimo controversa a suposição de que pode o judiciário legislar “quando o poder legislativo se omite”, uma vez que o próprio imobilismo pode ensejar uma decisão de nada alterar a respeito da questão legal. E, nesse caso, assim como uma ordem judicial, cumpre-se a disposição legal.
Não foi o que ocorreu com a decisão da 3ª Turma do STJ em relação à sucumbência fixada em demanda relatada pela ministra Fátima Nancy Andrighi. Ela determinou a redução de 10 para 2% dos honorários arbitrados com respaldo no parágrafo 4º, artigo 20 do CPC de 1973, por considerar que os limites legais “não são obrigatoriamente fixados entre o mínimo e o máximo estatuídos no parágrafo 3º”, já que eles só se aplicam às ações que sejam impostas condenações. E foi ainda além ao destacar que “o contexto apresentado é de uma demanda simples, que não justifica sucumbência demasiadamente elevada para os perdedores da causa”. Para ela, “é uma situação em que o juiz deve observar as particularidades antes de fixar o valor devido na sucumbência. Por meio da apreciação equitativa, a lei outorga ao juiz o poder de aplicar o justo na hipótese concreta, autorizando que a norma abstrata seja moldada de acordo com as peculiaridades da situação trazida pela realidade, consoante a sensibilidade do julgador”.
Como assim? Então o texto legal deve estar submetido à subjetividade da apreciação do julgador? Ou, como observou o advogado Sérgio Marcelino Nóbrega de Castro, pode se considerar simples uma demanda que tem um valor superior a um milhão de reais? Não deveria ser levada em consideração a responsabilidade do advogado que está no comando de uma ação de grande vulto? O que traduz simplicidade de um processo? Será que as causas simples não estão no rol das que são ajuizadas nos Juizados Especiais? Segundo essa Decisão os advogados não devem receber honorários de sucumbência superiores a R$ 100.000,00. Será justa tal Decisão? São questões objetivas que decorrem de uma situação no mínimo inusitada, especialmente quando partida de uma magistrada que já admitiu em outra ocasião que “os honorários, sem dúvida, devem refletir a importância da causa, recompensando não apenas o trabalho efetivamente realizado, mas também a responsabilidade assumida pelo causídico ao aceitar defender seu cliente numa causa dessa envergadura”. O valor da causa eram, então, R$ 10 milhões, pelo que se pode inferir que valores menores transformam a causa em “demanda simples”.
A verdade é que decisões como esta do STJ revelam desprezo que atinge a toda a advocacia nacional e a OAB está atenta para a defesa da valorização da profissional e do caráter alimentar dos honorários. A procuradoria jurídica da OAB estará à disposição da advocacia rondoniense para funcionar como assistente processual dos colegas que tiverem a verba relativizada. É ilustrativo o caso do pintor japonês contratado por um senhor feudal para pintar uma tartaruga. Ele demorou 30 anos e com uma breve pincelada produziu a mais bela tartaruga jamais vista. Questionado sobre porque havia demorado tanto ele respondeu que a demora não tinha sido em decorrência da execução, mas para saber exatamente qual a pincelada certa. Ao decidir que a “demanda simples” justifica o aviltamento da verba sucumbencial, a ministra Fátima Nancy Andrighi certamente não considerou os prováveis trinta anos de preparo do advogado para chegar até ali.