Em decisão liminar na arguição de preceito fundamental nº 444, proposta pelo Conselho Federal da OAB, o Ministro Gilmar Mendes vedou a condução coercitiva de investigados para interrogatório, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou autoridade, da conspurcação da prova obtida por esse ato e sem embargo de responsabilidade civil do Estado.
Para a advocacia criminal, um suspiro de constitucionalidade.
Vozes mais afoitas, aquelas que pregam o linchamento público, sem menor direito de defesa do investigado, reprovarão o ato decisório em redes sociais, buscando arrefecer sua absoluta essência constitucional.
Para a Ordem dos Advogados do Brasil era preciso discutir a recepção constitucional dessa diligência, cada vez mais contumaz em operações policiais e do Ministério Público, notadamente aquelas de grande repercussão, como a Lava Jato. De acordo com os argumentos aduzidos pelo CFOAB, a condução coercitiva atropelava a dignidade e a liberdade do indivíduo por menoscabar a garantia ao silêncio, conquista da ordem jurídica inaugurada com a Constituição de 1988.
Se a aplicação da literalidade do art. 260 do Código de Processo Penal já tem a sua recepção deveras discutível, pior é a expressa tergiversação ao requisito prévio do legislador, ou seja, a recusa de comparecimento pelo investigado, quando devidamente intimado.
Aliás, essa tem sido a prática mais corrente nas grandes operações, negando-se até mesmo o direito de a pessoa atender à notificação para ser ouvida e demonstrar a mínima colaboração com a investigação.
A condução coercitiva, sem prévia intimação do investigado, decorre de uma regra de hermenêutica praticamente impossível de ser impugnada, de tão gritante que se revela sua ilegalidade, pois além de afastar o requisito da prévia recusa de comparecimento, distancia-se do plexo normativo que privilegia, ou pelo menos deveria privilegiar, quem figura como investigado ou acusado, em consonância com princípio do “favor rei”.
A intimação prévia virou um pormenor nesta atualidade em que vidas são destruídas do dia para noite, algumas delas porque foi dito algo no telefone, nocivamente interpretado por alguém que ouvia o diálogo. Alguém com uma liberdade e um poder maior que qualquer outra autoridade nesta nação.
Como resposta aos questionamentos do uso corrente e ilegal da condução coercitiva, ouve-se os maiores absurdos. Aponto como o pior deles, a afirmativa de que essa diligência evitaria o pior, a prisão temporária ou a preventiva.
Essa afirmativa é um tapa certeiro em qualquer um que clama pela garantia da defesa, é o uso de uma hermenêutica sem regra para subverter a reforma de 2011 do Código de Processo Penal, que define as prisões cautelares como exceção no país, sem embargo do poder geral de cautela do magistrado.
Por isso, mesmo gozando da alvissareira notícia, trago à reflexão que, para essas vozes que justificam a condução coercitiva como paliativo para o investigado à prisão, certamente agora o caminho é partir diretamente à medida extrema como primeira opção, novamente secundando a reforma de 2011 do CPP. E não esqueçamos que essas vozes partem exatamente daqueles que atuam como órgãos de persecução.
Esperamos mesmo que o STF ouça esse suspiro. E que não seja mais uma decisão de passagem tampouco justificativa para encarcerar todo mundo.
Maracélia Oliveira é vice-presidente da OAB/RO.