Serenidade, pertinácia, equilíbrio, bom senso, determinação e atitude. Acredito serem estes os ingredientes necessários à pavimentação do caminho que começamos a trilhar a partir desse domingo. Embora muita gente acredite que o ano que agora finda deva ser esquecido, não imagino ser esse o melhor caminho. Mesmo os erros e derrapagens grosseiras registrados ao longo de 2016 devem servir, quando nada, para evitar sua reedição. Afinal, como disse Edmund Burke, “o povo que não conhece sua história está condenado a repeti-la”. Devemos permanecer atentos para louvar os acertos e combater os que insistem em perseverar no erro. Roberto Campos registrou na abertura do magistral “Lanterna na popa” que a experiência presta-se a iluminar os erros passados exatamente para evitar sua repetição. Especialmente porque, conforme Campos advertiu em novembro de 90, “A burrice, no Brasil, tem um passado glorioso e um futuro promissor”. A julgar por nossa realidade, parece que estamos entrando em 2017 sem a menor possibilidade de rever o que foi dito em 1990.
Nada impede, porém, que consigamos impulsionar os avanços registrados no ano que termina para acelerar, em 2017, a correção dos rumos do país, sempre dentro do que estabelecem a constituição e as leis. No ambiente saudável do estado democrático de direito. Isso impõe, obviamente, a necessidade de fugir ao assédio dos derrotistas e dos profetas do apocalipse de uma forma geral, sempre avessos às mudanças e sempre incapazes de apontar alternativas. A verdade é que tantos uns como outros se apresentam claramente como saudosistas da barbárie, para os quais o simples endurecimento das leis poderá resultar em um combate mais eficaz e acabar com a corrupção. Mas parece óbvio que mesmo o eficiente trabalho realizado até agora pela Lava Jato e congêneres não será, como já esclareceu o próprio juiz Sérgio Moro, capaz de estancar esse mal, pois que combate os efeitos, quando seria necessário atacar as causas. E isso se faz – já insistimos em dizer aqui – com o fortalecimento do estado democrático de direito: regras claras e processos transparentes.
O ano de 2016, na avaliação do cuidadoso artigo publicado pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia, foi um dos mais conturbados da história nacional, mas a advocacia não se furtou de sua missão de lutar por um país mais justo, solidário e fraterno. A OAB manteve-se sempre na linha de frente dos acontecimentos, em busca do fortalecimento da cidadania, da valorização da advocacia e da defesa da Constituição. “Tem sido assim ao longo de 86 anos de história: quando o país mais precisa é quando mais precisamos agir. Não faltamos no passado, não faltamos no presente e não faltaremos no futuro” – disse ele, para salientar que “o enfrentamento empreendido pela OAB parte, antes de mais nada, do diálogo. Acreditamos que, em um Estado Democrático de Direito, as instituições republicanas devem agir sempre em benefício dos cidadãos. Para tanto, precisamos sempre olhar para o que diz a Constituição de 1988, carta cidadã que deve guiar a atuação da entidade. Impõe-se à advocacia o difícil — mas essencial — papel de reunificar o país”.
Ele classifica a advocacia como a profissão da liberdade: “Cabe a nós a busca do benefício comum, o que somente é possível quando nossas garantias constitucionais são respeitadas. Não se pode admitir uma advocacia fragilizada, sem paridade de armas nas disputas. Por isso buscamos incansavelmente a penalização da violação das prerrogativas da advocacia, fundamental para a valorização profissional e indispensável para que as garantias ao amplo direito de defesa da sociedade sejam respeitadas. E é fundamental que não se confunda aqui respeito às prerrogativas com privilégios. Nossa atuação tem como objetivo maior o fortalecimento do próprio sistema de Justiça, incluídos aí, obviamente a magistratura e o Ministério Público. Somos elos de uma mesma corrente e devemos ter a clareza de que, em momentos tão complicados como os que enfrentamos, devemos mais do que nunca ter instituições sólidas para o bem do Estado Democrático de Direito.
Lamachia fez questão de deixar registrada a consternação causada em toda a sociedade pela divulgação ilegal de áudios entre clientes e advogados no âmbito da operação Lava Jato, assim como os grampos indevidos de escritórios de advocacia: “o sigilo de comunicação entre cliente e advogado é um direito que não pode ser relativizado. É inadmissível que isso ocorra em um Estado Democrático de Direito. Fragilizar a defesa é fragilizar também a cidadania. Não se pode combater o crime cometendo outros crimes”. Isso significa que a sociedade precisa de mecanismos para impedir o crime, não apenas para punir os criminosos. Podemos nos valer do que aprendemos inclusive com os erros de 2016 para continuar o trabalho, fortalecidos e revigorados, em 2017. Uma grande nação somente pode ser construída com a união de um grande povo. Não há aqui qualquer inspiração bíblica, mas apenas observação de oportunidades práticas. E, é claro, Deus haverá de ajudar.