A Secretaria da Receita Federal em Rondônia vem anunciando que estão sendo lavrados autos de infração contra empresas locais que alcançam aproximadamente o valor de R$ 360.000.000,00 (trezentos e sessenta milhões de reais).
A justificativa fazendária seria a descoberta de “complexos e engenhosos atos para lesar o Fisco”, onde essas empresas estariam “simulando a compra, venda, fusão, cisão de empresas sem a existência de atos negociais”.
Data vênia entendo que tais procedimentos (autos de infração) são abusivos e não resistem ao “teste de constitucionalidade”.
A questão, ora em análise, é de se saber se foi ou não cumprida a lei antes da ocorrência do fato gerador.
Na verdade, o que ocorre é a eleição de uma caminho com o intuito de evitar e não sonegar a ocorrência do fato gerador.
Com efeito, elisão fiscal corresponde à prática de atos lícitos, anteriores à incidência tributária, de modo a obter-se legítima economia de tributos, seja impedindo-se o acontecimento do fato gerador, seja excluindo-se o contribuinte do âmbito de abrangência da norma ou simplesmente reduzindo-se o montante de tributo a pagar.
A estruturação dos negócios jurídicos de modo a arcar-se com o menor ônus tributário possível, utilizando-se de formas legais (não vedadas pelo ordenamento jurídico) é prática corriqueira das empresas.
O planejamento tributário é inclusive dever dos administradores de sociedades anônimas, conforme se infere do disposto na Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, in verbis:
“Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.
Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.”
Assim, a prévia estruturação das atividades empresariais com o fito de pagar menos tributos – planejamento tributário – é não somente direito de todos como dever inarredável daqueles a quem foi confiada a administração de sociedades, que devem gerir a poupança popular tão bem como o fazem com seu próprio patrimônio. HELENO TÔRRES bem definiu o instituto:
“Com a expressão “planejamento tributário” deve-se designar (…) a técnica de organização preventiva de negócios, visando a uma legítima economia de tributos.”
O colendo Superior Tribunal de Justiça já decidiu, em acórdão de lavra da Ministra ELIANA CALMON, que o planejamento tributário (contrato de leasing) não pode ser descaracterizado pelo Fisco, ao argumento de que se trata de uma compra e venda, pelo simples fato de as parcelas estarem concentradas nas primeiras prestações. Confira-se a ementa do decisum:
“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. LEASING: DES-CARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO PELO FISCO.
1. A jurisprudência tem entendido que o contrato de lea-sing deve ser respeitado como tal, em nome do princípio da li-berdade de contratar.
2. Somente quando o leasing estiver contemplado em uma das situações de repúdio, pela Lei 6.099/74 (artigos, 2º, 9º, 11, § 1º, 14 e 23), é que se tem autorização legal para a descaracterização e imputação das conseqüências.
3. Recurso especial improvido.”
Efetuando-se uma interpretação sistemática da Constituição Federal e do Código Tributário Nacional, restam claras as razões pelas quais a interpretação econômica não encontra guarida no direito tributário pátrio. O princípio da legalidade, de cunho constitucional, é previsto no art. 5º, II da Carta Magna de forma genérica e, especificamente no que tange à lei tributária, no inciso I do art. 150 do mesmo diploma.
O próprio Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF já tem manifestação que favorece os contribuintes, verbis:
SIMULAÇÃO – SUBSTÂNCIA DOS ATOS – Não se verifica a simulação quando os atos praticados são lícitos e sua exteriorização revela coerência com os institutos de direito privado adotados, assumindo o contribuinte as consequências e ônus das formas jurídicas por ele escolhidas, ainda que motivado pelo objetivo de economia de imposto. 1º Conselho de Contribuintes / 4a. Câmara / ACÓRDÃO 104-21.729 em 26.07.2006. Publicado no DOU em: 03.10.2007.
Equivocando-se no cálculo e no tempo, incorrendo em mais uma nulidade, se não vejamos pela redação do seguinte Acordão:
ERRO NA IDENTIFICAÇÃO TEMPORAL DO FATO GERADOR – O artigo 142 do CTN estabelece que, para constituição do crédito tributário, a autoridade fiscal deve, entre outros procedimentos, verificar o momento adequado da ocorrência do fato gerador. O equívoco na identificação do aspecto temporal do fato gerador implica nulidade do lançamento e cancelamento da exigência respectiva. Recurso a que se dá parcial provimento. 1º Conselho de Contribuintes / 3a. Câmara / ACÓRDÃO 103-23.105 em 04.07.2007. Publicado no DOU em: 30.11.2007.
Ao abordar a frustração do Estado Social a assegurar – com efetividade – a participação política na formação da vontade do Estado e os direitos e liberdades fundamentais, assim leciona Maurício Mota sobre o terceiro paradigma de Estado de Direito que é chamado de Estado Democrático de Direito, verbis:
O Estado Social de Direito, no entanto, não consegue, seja no plano fático, seja no plano epistemológico, cumprir suas ambiciosas promessas. No plano fático a extensão de direitos sociais a todos, com os crescentes custos das prestações sociais positivas como encargo do Estado logo se mostram inviáveis de serem asseguradas com a extensão preconizada. Do mesmo modo, o Estado incorre, em geral, em um acentuado custo de operacionalização para a extensão de tais direitos, com a formação de uma ineficiente estrutura burocrática, de custos astronômicos.
Luis Roberto Barroso demonstra que o constitucionalismo democrático foi a ideologia vitoriosa, superando todos os projetos alternativos, verbis:
O constitucionalismo democrático foi a ideologia vitoriosa do século XX, derrotando diversos projetos alternativos e autoritários que com ele concorreram. Também referido como Estado constitucional ou, na terminologia da Constituição brasileira, como Estado democrático de direito, ele é o produto da fusão de duas ideias que tiveram trajetórias históricas diversas, mas que se conjugaram para produzir o modelo ideal contemporâneo. Constitucionalismo significa Estado de direito, poder limitado e respeito aos direitos fundamentais. Democracia, por sua vez, traduz a ideia de soberania popular, governo do povo, vontade da maioria. O constitucionalismo democrático, assim, é uma fórmula política baseada no respeito aos direitos fundamentais e no autogoverno popular. E é, também, um modo de organização social fundado na cooperação de pessoas livres e iguais.
Sob a ótica do paradigma constitucional do Estado Democrático de Direito, a interpretação econômica não encontra guarida no direito tributário, sendo nulos os autos de infração lavrados sem a ocorrência de fato gerador.
Konrad Hesse, Juiz da Suprema Corte Alemã no seu clássico Força Normativa da Constituição, assim definiu tais situações como cobrança de tributos sem fato gerador: “A necessidade não conhece princípios”.
Por Breno Dias de Paula