“O ex-ministro Eros Grau tem um livro chamado “Por que tenho medo dos juízes”, no qual ele questiona algumas técnicas de interpretação do direito por juízes inclinados a criar normas a partir do manuseio discricionário de princípios de e do Direito muitas vezes ao arrepio do próprio ordenamento jurídico sistematicamente analisado – e vejam que, simbolicamente, inclinação é algo que, ao menos em tese, juízes não deveriam ter.
Contudo, o título dessa obra do ex-ministro é bastante conveniente para uma observação que faço a partir de uma experiência recente.
Os mais próximos de mim sabem que há anos que optei por cuidar mais da docência do que da advocacia e por mais entusiasmado que seja pelo contraditório, o teorizo mais do que pratico. Ainda assim, posto na condição de advogado nas vezes em que aceito o patrocínio do caso sob meus cuidados, faço-o da maneira que me parece a melhor maneira para dignificar a função – indispensável à administração da Justiça – e a confiança do constituinte.
É certo que o que se dá no processo é conteúdo a se fazer constar na história dos autos, mas como a publicidade dos atos processuais é mais jurídica que fática, permito-me relatar o ocorrido em assentada de audiência preliminar à aceitação de queixa em face de quem me constituiu: feito o discurso de abertura pela autoridade presidente do ato, assistiu-lhe dar sequência sob o procedimento do art. 520/CPP, porém, por liberalidade sua, o fez com a presença dos advogados e de ambas as partes – querelante e querelada. Eis que finda sua primeira pontuação, dirigiu-se a mim, perquirindo-me se na condição de querelados teríamos algo a propor a título de acordo, no que prontamente pus-me a dizer que quem melhor poderia respondê-lo era a Querelante, titular da ação penal privada, haja vista que estávamos ali para provar a ausência de dolo na conduta imputada.
Qual não foi a minha surpresa quando a autoridade em questão me interrompe me perguntando, sob a forma de afirmação, que “não sabia se eu teria tido a oportunidade de ler o Código de Processo Penal e os comentários a este depois de saído da faculdade”, já que, diria ela, a minha conduta era a razão pela qual o art. 520 dá nota de o ato a que se presta a audiência em questão ser praticado sem a presença do advogado – aqui peço a consideração dos que me conhecem para que atestem que meu estresse é bastante contido.
Com a educação que me souberam ensinar e sei que soube aprender, foi a minha vez de inquirir a autoridade a que venho me referindo se ela teria algum motivo para acreditar que eu não teria lido ou estudado o Código de Processo Penal após a faculdade, no que ela se encolheu – no que, penso eu – cônscia da bobagem que teria insinuado.
Feito esse relato, quero me dirigir a você, colega advogado, colega advogada, aos alunos que me abrilhantam os anos e me acrescentam a vida.
Há uma necessidade cada vez mais premente de que os advogados não se sujeitem a arroubos de autoritarismo de qualquer ordem. É imperioso que a classe não se quede na pequenez da batalha causídica e que, então, os advogados atuem como se os litigantes fossem eles, mas sim, que a violência à dignidade de um seja violência à dignidade de todos.
É imprescindível que se exija a pontualidade – na audiência em questão, o ingresso da autoridade judiciária ao fórum se deu 45 minutos depois do horário designado para o feito –; é imprescindível que se exija o respeito; e é imprescindível que se saiba que o ingresso num cargo por meio de uma aprovação num concurso de provas e títulos não atesta superioridade a ninguém. Menos ainda dentro da relação processual.
É corrente que os aprovados, entusiasmados pela conquista após anos de renúncias e abnegações, julguem-se especiais, alguns até chegam a risível conduta de se julgarem superiores intelectualmente quando, se há algo que podemos dizer da grande maioria, é que são mais disciplinados e esforçados.
Apontem-me aquele que passou no concurso na primeira prova que fez, sem que tivesse estudado por mais de 4h por dia, que tenha vivido a irresponsabilidade daqueles que simplesmente sabem o que precisam saber e eu serei o primeiro a dizer: “estamos diante de alguém especial e intelectualmente superior à grande maioria”. Ou não é isso que acontece todo o tempo nas artes onde o talento congênito é a mola propulsora? De resto, é só esforço e dedicação. O mesmo esforço e dedicação que advogados e advogadas de todo o país têm em relação aos clientes que lhe buscam em socorro e é por essa razão que é imperioso o rompimento de qualquer silêncio contra arbitrariedades e até de aleivosias por parte dos que, vítimas da própria soberba, perdem-se na falta de razão de uma vaidade que não cabe. Numa vaidade que não passa de autossatisfação.
Mas insisto: aos que abraçaram a advocacia como escolha e buscam nela sucesso e não simples ocupação, sejam honestos no que se sonham e não aceitem que sejam tratados como aqueles que, por não terem conseguido um cargo público, fracassaram e, então, só lhes restou advogar. Cerrem fileiras e demonstrem, com a dignidade do trato dos autos e das relações profissionais, principalmente entre si, que a advocacia é uma escolha honrada e que exige tantas ou mais escolhas ou renúncias que qualquer profissão.
Nenhum juiz sabe mais porque é juiz. Mas principalmente, nenhum advogado sabe menos porque é advogado.”