Em entrevista à assessoria de comunicação do Conselho Federal, o presidente da Comissão Nacional de Defesa de Prerrogativas e Valorização da Advocacia, Jarbas Vasconcelos, conta como iniciou sua luta em defesa da livre atuação do exercício profissional dos advogados.
Ex-presidente da seccional paraense da Ordem, Jarbas conta que as situações vivenciadas por ele em seu estado foram determinantes para seu envolvimento na seara das prerrogativas.
A atual gestão nacional da OAB tem como uma de suas principais bandeiras a defesa intransigente das prerrogativas profissionais do advogado. O presidente da Ordem, Claudio Lamachia, é fortemente envolvido com a questão desde sua militância na advocacia do Rio Grande do Sul, cuja Seccional foi presidida por ele em duas gestões.
Confira, abaixo, a visão de Jarbas sobre assuntos e demandas inerentes às prerrogativas.
1 – O senhor vem de um estado onde historicamente a advocacia é exercida, muitas vezes, sob achaques, ameaças, ações de pistoleiros. Quando começou a se envolver na luta para garantir prerrogativas?
Eu sempre fui, desde o dia em que recebi minha carteira da OAB, um advogado popular. Sempre estive na linha de frente de todos os conflitos que se processaram no meu estado durante o meu exercício profissional. Estive à frente de conflitos agrários, socioambientais, trabalhistas e, portanto, conheço muito bem o que é a prepotência dos poderosos, do poder econômico, e principalmente a arrogância de quem o detém. Na minha gestão na OAB Pará, tive a infelicidade de ter 11 colegas mortos, a maioria por encomenda da pistolagem, enquanto outros 20 tiveram a vida gravemente ameaçada. Então o meu compromisso com prerrogativas é total. O advogado que não se sentir protegido, defendido pela sua instituição e pelo Estatuto da Advocacia, evidentemente não terá condições de defender a cidadania. E a cidadania sem o advogado é cativa, refém, escrava, servil ao Estado e ao poder econômico. A democracia é incompatível com uma realidade como esta, a democracia quer respeito aos direitos, às garantias fundamentais, aos direitos do cidadão, quer autoridades que instruam e julguem obedecendo o devido processo legal e as garantias constitucionais. A democracia quer autoridades que busquem condenação não a partir de pré-julgamentos, mas a partir de considerações sérias, ponderadas, razoáveis da prova, sempre pensando que o bem maior do cidadão é a liberdade. A liberdade, aliás, é a última coisa a ser tirada do cidadão para puni-lo. As prerrogativas são fundamentais para o cidadão, mas lamentavelmente as pessoas não têm ou têm perdido a noção da importância e da imprescindibilidade de respeitá-las como condição sem a qual não se exerce nenhum direito da cidadania.
2 – Para o senhor, qual a melhor definição para prerrogativas?
Quando o Brasil aplaudia o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, que vestia a capa da Justiça como um super-herói americano, eu ficava pensando no pobre, no negro, no favelado, no trabalhador rural, no analfabeto quando caísse nas mãos de alguém do Poder Judiciário que se sentisse igual ou mais poderoso do que ele. Nesse Brasil que é continental, lamentavelmente os juízes das cidades do interior são, de fato, o poder sobre o qual paira e vive toda a sociedade. Eles são, ali, mais poderosos do que os ministros do STF. Quando o juiz Sérgio Moro começou sua carreira de popstar da magistratura, imaginei que isso seria uma febre contagiosa ao Judiciário. De fato, essa febre contagiou muitos setores deste Poder. Muitos daqueles que aplaudiram a obsessão por prisões preventivas, a farra e o abuso de prisões cautelares dos últimos tempos, também já foram vítimas dessas prisões. O cidadão precisa do seu direito à inocência, à ampla defesa, de poder produzir defesa ao ser acusado. O Estado não pode condenar ninguém à prisão sem ouvir suas razões. Hoje temos um grande índice de condenações feitas no primeiro grau que são revertidas no segundo, no terceiro e também no STF. Então não se pode condenar um cidadão sem uma instrução probatória em que lhe seja assegurada a ampla produção de provas. Se este tempo para produzi-las por vezes leva a Justiça a conclusão nenhuma, que se reforme o Estado, que se melhore e aparelhe o Judiciário. Nós somos favoráveis a um Judiciário aparelhado, estruturado, que cumpra o princípio constitucional da duração do processo, mas não concordamos com atalhos à Constituição, como o é, o transtorno obsessivo compulsivo por preventivas. O juiz hoje acorda, decide prender 10 pessoas e prende. O Ministério Público denuncia 10 pessoas e a sociedade está predisposta a vê-los já como condenados. A sociedade perdeu a solidariedade. Há uma inversão total de papéis: a presunção deve ser de inocência, de que o cidadão se defendendo está certo e o Estado acusando está errado. Precisamos fazer uma campanha ampla na sociedade para que o cidadão veja que o Ministério Público precisa agir na legalidade estrita, pois prisão é ao final do processo, quando a investigação se exaure, e não como meio tal qual tem acontecido. As prerrogativas têm uma estreita relação com os direitos do cidadão.
3 – Enquanto presidente da Comissão Nacional, o que é preciso para garantir que não haja desrespeito às prerrogativas?
A sociedade precisa reagir aos desmandos do Poder Judiciário e do Ministério Público. Hoje eles, junto à polícia, têm atingido não só os ricos, mas sobretudo os pobres, que não têm defesa frente a um Estado policial e autoritário como esse. Hoje esse Estado tem tanta certeza da sua própria impunidade que a primeira vítima tem sido os advogados, com seus escritórios invadidos e a quebra da inviolabilidade do sigilo do contato com seus clientes. É um Estado que investiga, com apoio popular, sob uma natureza fascista, nazista, um Judiciário que age a partir da cultura do punir de forma irresponsável, podendo, inclusive, comprometer a democracia. É preciso reagirmos a isso. É preciso que o governo assuma seu papel no combate aos abusos do Ministério Público e da sua polícia, porque tanto no âmbito estadual quanto federal a polícia está subordinada ao Poder Executivo, sem autonomia, então é preciso exigir que ela cumpra a regra. É preciso que o Ministério Público e os juízes voltem a exercer o papel que nós advogados lhes demos na Constituição Federal de 1988. Antes de 1988, a carreira do ministério público pertencia ao executivo que os nomeava sem concurso; uma carreira sem prestígio. Os juízes, regra geral, ganhavam uma miséria. É preciso lembra-los então: A Constituição não é deles. É da cidadania.
4 – Em linhas gerais, quais as principais queixas de desrespeito à atuação profissional do advogado?
Hoje destaco a quebra do sigilo das comunicações com os clientes. A polícia e o Ministério Público, lamentavelmente, se valem de instrumentos tecnológicos como os guardiães e da velha arapongagem. Especula-se, inspeciona-se sob escuta telefônica, para depois oficializar aos juízes pedidos de quebra de sigilo para que estes validem a ilegalidade já ocorrida. Os advogados têm sido vítimas, afinal, a Constituição Federal e o nosso Estatuto garantem a inviolabilidade dos escritórios. Temos visto que toda operação da polícia, especialmente a Federal, envolve busca e apreensão nos escritórios. Para quê? Buscar elementos de prova na relação entre cliente e advogado e expor o profissional como bandido. Todo e qualquer brasileiro merece a proteção do direito, inclusive os condenados, a quem se quer recuperar quando se condena. Respeito aos direitos humanos, acima de tudo, significa respeito a ordem jurídica.
5 – Por que é importante que o advogado denuncie episódios que violam prerrogativas?
Precisamos mobilizar corações e mentes de cada advogado brasileiro para que seja ele um combatente das prerrogativas. Tenho convicção de que todas as subseções, seccionais e o Conselho Federal da OAB tem noção de que se deve punir com mão forte, o desrespeito à nossa atuação profissional. Somos um exército de 1 milhão e 55 mil guerreiros e guerreiras, advogando e combatendo aqueles que extrapolarem limites legais. Desde que assumi a Presidência da CNDPVA, não foi realizada uma só prisão de advogado ou busca e apreensão em escritório de advocacia que não tenhamos acompanhado na hora e a qualquer hora. A todos oferecemos a resistência da defesa das nossas prerrogativas. Temos sido atacados sim, mas temos reagido também. É uma luta desigual, mas temos dado combate.
6 – Por favor, transmita um recado ao advogado brasileiro no tocante às prerrogativas.
Quero dizer à advocacia brasileira que apoie a Ordem dos Advogados do Brasil. O seu Battonier nacional, Presidente Lamachia, e cada um dos 27 Presidentes Seccionais. Una-se em apoio a cada uma das 1.028 subseções, as 27 seccionais e ao Conselho Federal. Nós estamos trabalhando por você, irmão advogado. Hoje somos a única trincheira de defesa do Estado Democrático de Direito. Sem nossa ação decidida, corremos o risco de caminharmos a passos largos rumo a um Estado totalitário, que age a custo de sangue. É preciso que reajamos, levantemos a cabeça, coloquemos a autoestima como chama do nosso protagonismo. Somos os que defendem o povo e a nação brasileira, plasmamos suas vontades e liberdades. Historicamente representamos os interesses da cidadania, então sejamos solidários para que, quando um colega seja violado em suas prerrogativas, todos sejam. Não nos calemos, é momento de unir nossa classe sob a bandeira do direito de defesa que periclita neste país. Urge que defendamos a nação dos inimigos da liberdade, porque, como sabemos, quem não ama a liberdade, odeia a advocacia.