Brasília – A OAB Nacional sediou nesta quarta-feira (1) a apresentação à sociedade civil do relatório final da Comissão Nacional da Verdade. O evento, que contou com a participação de diversas entidades, representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e familiares de mortos e desaparecidos políticos, aconteceu no Dia Internacional dos Direitos Humanos e foi marcado por discursos em defesa da democracia e pela busca de justiça.
“O relatório da Comissão da Verdade, além de ser imprescindível para a memória nacional, resgatando a verdade e possibilitando a justiça, possui a relevante função de estimular o amor à democracia, principalmente entre os jovens, que não viveram os horrores do regime que impedia a liberdade de expressão e que tratava a divergência política como caso de polícia”, afirmou o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.
“Está no DNA da Ordem a luta pela democracia e pelo restabelecimento da verdade. O relatório aqui apresentado é um marco na justiça de transição, sintetizando e expressando ao povo brasileiro a necessidade do resgate de nossa história. Temos que construir país de tolerância, que respeite as diferenças, que seja democrático, em busca da construção de uma sociedade justa, solidária e fraterna. Temos que lembrar para jamais repetir”, completou.
Ao agradecer a entrega da do relatório físico, que soma 4.400 páginas em três volumes divididos em oito tomos, Marcus Vinicius afirmou que a obra “constituirá para a entidade um patrimônio da advocacia e da sociedade, um dos itens mais relevantes do acervo da história de nosso país”. “Recentemente, o STJ declarou ser possível a indenização no campo civil em razão dos horrores da ditadura. A OAB permanece aguardando que o STF julgue os embargos de declaração na ADPF que enfrenta o tema e acreditamos que podemos evoluir no sentido de realizar a tão esperada Justiça”, continuou.
Pedro Dallari, coordenador atual da Comissão Nacional da Verdade, agradeceu a OAB por receber o evento e disse que a entidade tem um peso indiscutível na memória democrática do país. Antes de apresentar o relatório final, Dallari afirmou que a entrega do documento não representa o fim dos trabalhos de investigação dos crimes ocorridos na ditadura. “A Comissão propicia uma plataforma que permitirá que comissão estaduais, municipais e setoriais, universidades, entidades da sociedade civil e a imprensa possam aprofundar investigações, para que muito ainda venha à tona. Fazer um trabalho de referência foi o que nos motivou”, explicou.
Além de Dallari, são integrantes da Comissão Nacional da Verdade: Gilson Dipp, José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro e Rosa Maria Cardoso da Cunha.
Representante do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) no Brasil, Jorge Chediek leu no auditório da OAB mensagem enviada pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, elogiando a publicação do relatório da Comissão da Verdade e os esforços de promover a verdade e a reconciliação nacional.
“A ONU encoraja e apoia esforços para desvendar fatos que envolvam a violação de direitos humanos, baseada na Declaração Internacional dos Direitos Humanos e em tratados internacionais. A verdade oferece possibilidade de prestação de contas com o passo, dando dignidade e alguma reparação por perdas. A ONU está ao lado de todos os brasileiros na lembrança de suas perdas e no esforço para fortalecer os direitos humanos e a reconciliação nacional”, escreveu o dirigente das Nações Unidas.
O vice-presidente da OAB, Claudio Lamachia, afirmou que o trabalho da Comissão deve ser saudado por toda a sociedade. “O direito à memória e à verdade histórica está no relatório. É um trabalho denso e extraordinário, que merece todos os nossos elogios. A OAB se sente honrada por poder sediar esse momento e guardar esse material que representa muito a todos nós”, disse.
Segundo o presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e coordenador da Comissão Estadual da Verdade do RJ, Wadih Namous, lembrou da dificuldade de trabalho das comissões, especialmente quando as Forças Armadas não colaboram com as investigações. “O relatório deve ser recebido como obra aberta, pois muitos fatos ainda restam por apurar. Não descansaremos enquanto não descobrirmos onde estão enterrados todos os mortos e a localização dos desaparecidos. Nosso presente ainda guarda traços do período ditatorial, as mazelas do passado são as do presente. Temos que lutar contra o preconceito racial e diversas outras mazelas. Ainda precisamos saber quem pôs uma bomba na OAB, matando a Dona Lida. A entrega deste documento não poderia ser em outro local. A OAB combateu a ditadura e a sociedade se orgulha dos advogados que desceram aos porões da ditadura para defender os presos políticos”, afirmou.
O conselheiro federal Henrique Mariano, presidente da Comissão Especial da Memória, Verdade e Justiça da OAB, disse que temos que “encarar esse 10 de dezembro como o início da nova história que todos construímos para consignar na República Brasileira”. “Quero reiterar o inquebrantável compromisso da OAB de perseguir a responsabilização de agentes de Estado que cometeram crimes de lesa humanidade e graves violações de direitos humanos. Nosso compromisso de dar continuidade ao sentimento que presente na vida de muitos que lutaram por um Brasil melhor e mais justo. Demos um grande passo para construir a memória e a verdade, mas temos que avançar mais para cumprir a implementação da justiça de transição em sua plenitude”, discursou.
Dom Leonardo Steiner, secretário-geral da CNBB, lembrou a passagem bíblica que diz que a verdade nos libertará. “A verdade tem rostos, histórias e vidas, homens e mulheres que ainda sofrem a dor que não desapareceu. A Comissão da Verdade também mostrou os rostos dos que mataram e torturaram. A democracia é preciosa demais para voltarmos ao passado”, disse, antes de lembrar os nomes dos dons Paulo Evaristo Arns, Helder Câmara e Luciano Mendes de Almeida, que lutaram contra a ditadura.
Em nome da Rede Brasil Memória, Verdade e Justiça, Francisco Calmon afirmou que a responsabilização dos agentes envolvidos dará sentido para que nunca mais se torture no país e que o poder não seja mais usurpado, além de sugerir a criação da Comissão da Verdade do Cone Sul. Isamel Antonio de Souza relembrou o trabalho das centrais sindicais tanto na luta contra a ditadura quanto na elaboração do relatório da Comissão da Verdade.
Fechando a cerimônia, Togo Meirelles Neto falou em nome das famílias de mortos e desaparecidos políticos. “Estamos há 45 anos procurando a verdade do que aconteceu com nossos familiares. Não tivemos ajuda de quem cometeu esses crimes, mas queremos saber as respostas e queremos Justiça. Queremos que o Ministério Público Federal investigue e processe todos os agentes de Estado que cometeram crimes. Esse processo não termina hoje, mas foi importante porque nos trouxe a possibilidade de que a sociedade reconheça e não aceite mais esses crimes”, afirmou.