Renomados especialistas em meio ambiente, com reconhecimento inclusive internacional, participaram de amplo debate, nesta terça-feira (20), no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Rondônia (OAB/RO), que questionou os estudos de impactos ambientais realizados pelas empresas responsáveis pelos empreendimentos das usinas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira. Como resposta à sociedade, os especialistas foram unânimes em reconhecer que houve “ severas” falhas nos estudos de impactos ambientais realizados para a construção das usinas.
O debate fez parte da ação judicial inédita promovida em conjunto pela OAB/RO, Ministério Público Federal (MPF) e Estadual (MP/RO), Defensorias Públicas da União (DPU) e do estado (DPE), que responsabiliza as usinas pelos danos causados ao meio ambiente e à sociedade face a cheia histórica do rio Madeira, bem como o refazimento dos estudos de impactos ambientais.
Essa medida é importante para a prevenção de novas ocorrências desastrosas semelhantes àquelas registradas neste ano, devendo apontar o nexo causal entre as barragens e a majoração dos efeitos da ocorrência natural.
Abrindo os debates o Ph.D. em Ciências Biológicas pela University of Michigan (EUA), pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, cientista do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas e ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2007, Philip Martin Fearnside, afirmou que foram várias as falhas nos estudos iniciais de impactos causados pelas usinas. Dentre elas os estudos de sedimentação das orlas do rio Madeira dentro do perímetro urbano de Porto Velho. Para o pesquisador, os estudos não previram o desbarrancamento causado pela força da água que sai das barragens, “ isso fez com que houvesse os desbarrancamentos que levaram centenas de residências”.
Tentando sanar as dúvidas de centenas de acadêmicos e vítimas das enchentes provocadas nos últimos meses o doutor em Engenharia Mecânica na área de Planejamento de Sistemas Energéticos pela FEM/Unicamp, professor-associado (livre docente) do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo e professor visitante da Universidade do Texas-Austin, Célio Bermann, pontuou os principais impactos que poderiam ser provocados pelas usinas em escala de gravidade como: problemas com a suspensão de sedimentos, perda da biodiversidade aquática, alteração do regime hidrológico, efeitos transfronteiriços na Bolívia, aumento do nível do reservatório devido ao processo de assoreamento, perda da área florestada e aumento da jusante.
De acordo com Célio Bermann, muitos destes impactos se querem foram citados pelas hidrelétricas no Estudo de Impacto Ambiental, “por isso este debate é uma excelente oportunidade para que a verdade científica seja colocada para população sem devaneios”.
Encerrando os debates a doutora em Sociologia pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, em Paris, professora da Universidade Federal do Pará e diretora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Edna Castro, afirmou que o Complexo Hidrelétrico colocou a população diante de uma situação de insegurança quanto aos estudos apresentados até agora, tendo em vista que os estudos foram insuficientes, superficiais pautados em uma metodologia em prol de interesses próprios.
O debate serviu ainda para organizar uma comissão independente de especialistas que irá acompanhar e inspecionar este trabalho de rafazimento de novos estudos, para que seja possível prevenir novas ocorrências desastrosas a partir da revisão das normativas técnicas, da fiscalização e monitoramento da vazão e nível de água do rio Madeira, associados ao modo de operação dos reservatórios de Santo Antônio e Jirau.
Acadêmicos, professores, membros do Movimento dos atingidos por barragem, dentre outros presentes tiveram a oportunidade de fazer questionamentos aos especialistas quanto a responsabilidade das usinas diante da histórica cheia do Rio Madeira.
Para o presidente da OAB/RO, Andrey Cavalcante, o debate com estes renomados especialistas traz à luz da sociedade, a seriedade com que os órgãos que propuseram a Ação Civil Pública para apurar responsabilidades das usinas, estão tratando o tema. “Nosso papel é defender a sociedade, de forma responsável, e comprometida, permitindo o amplo debate e a exposição de opiniões”.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RO, Rodolfo Jacarandá, também ressalta que os autores da ação civil pública esperam com este debate conseguir conscientizar a justiça e os poderes constituídos acerca da necessidade de revisar a forma como o licenciamento ambiental é feito atualmente, dado que não existem mecanismos científicos sólidos para aferir com isenção os resultados dos estudos feitos pelos empreendimentos interessados na exploração econômica.
Jacaránda afirma que o próximo passo é fazer a indicação pelos três especialistas e dos próximos especialistas que serão indicados por eles para compor a comissão. “Definida esta comissão o juiz aceitará ou não e nomeará cada um deles como perito judicial, ou seja, a partir de então eles serão especialistas dentro do processo em nome da justiça para acompanhar a elaboração dos novos estudos sobre os licenciamentos”.