Brasília – Confira a entrevista do presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, publicada na edição de dezembro da revista Brasília em Dia.
Em defesa das causas da República
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado Coêlho, espera que a sociedade brasileira faça bom uso da Constituição que a rege. Os esforços não foram poucos. O ano de 2013 foi marcado por lutas e vitórias, desde que assumiu, em fevereiro. A valorização do advogado, a PEC do calote dos precatórios, a Lei Anticorrupção, melhorias no Exame de Ordem e o movimento da Reforma Política Democrática estiveram e ainda estão em pauta na OAB, que demonstrou nos últimos anos estar anelada aos objetivos democráticos de se melhorar e expandir o Brasil, rumo ao cumprimento dos preceitos básicos de nossas leis. No que depender da gestão de Marcus Vinicius, este compromisso está mais do que agendado: “O Estado deve ter como finalidade assegurar os direitos do cidadão e deve respeitá-lo”, afirma a seguir.
Dez meses se passaram desde quando o senhor assumiu a presidência da OAB. Qual é sua avaliação sobre esta experiência?
A OAB possui duas missões, duas funções. Estas missões são fixadas por lei, na Lei Federal, que criou o estatuto da advocacia, como também na própria Constituição e nos frutos da própria entidade. Uma missão é a corporativa: selecionar os advogados, disciplinar a conduta, verificar a ética na condução dos profissionais da advocacia, no exercício de suas atividades, lutar pela valorização da advocacia, defender os direitos e garantias do exercício profissional, das prerrogativas do exercício profissional do advogado. Um advogado valorizado significa um cidadão respeitado.
Por quê?
Este é um dos lemas desta gestão. Porque temos de um lado o Estado julgador, o Estado acusador, o Estado que cobra impostos, o Estado que interfere na vida das pessoas. Por outro lado temos as pessoas físicas e jurídicas. Pessoas que têm a seu favor o advogado quando são agredidas em seus direitos e em suas garantias. Se o advogado é enfraquecido, a pessoa jurídica e física é fragilizada perante o Estado. Para que esta balança não se desequilibre e o cidadão seja respeitado, o profissional do cidadão, que é o advogado, precisa ser valorizado. Por isso há um dispositivo que precisa ser anunciado, que é o artigo 6º da Lei Federal 8.906, o Estatuto da Advocacia, que diz que não há hierarquia entre advogado e juiz, não há hierarquia entre advogado e membro do Ministério Público, não há hierarquia entre advogado e qualquer servidor público. Por quê? Não deve haver hierarquia entre o cidadão e o Estado. O Estado deve ter como finalidade assegurar os direitos do cidadão e deve respeitá-lo. Portanto, esta luta pela valorização do advogado é em favor do cidadão. Esta é uma das missões da Ordem, que é cuidar da corporação.
Qual é a segunda missão?
Cuidar das causas da República. Este é o segundo lema da atual gestão. É a OAB como a voz constitucional da sociedade brasileira. A Constituição Federal, que cita e menciona a Ordem dos Advogados do Brasil em oito oportunidades, atribui à OAB esta função ao dizer que a nossa entidade possui legitimidade ativa, ou seja, a possibilidade de ingressar em juízo na defesa de causas da cidadania. Isso faz com que a Ordem possa propor ação direta de inconstitucionalidade contra leis e normas inconstitucionais, arguição de descumprimento de preceito fundamental, ação declaratória de inconstitucionalidade. A Ordem tem assento no Conselho Nacional de Justiça, no Conselho Nacional do Ministério Público. Ela participa do concurso de seleção dos juízes membros do Ministério Público e de advogados públicos. Ao assegurar essas prerrogativas à Ordem dos Advogados do Brasil e ao dizer que o advogado é inviolável no exercício da profissão, a Constituição deixa claro que a Ordem tem a obrigação de ser porta-voz da sociedade brasileira, na defesa da ordem constitucional, da norma constitucional.
E como foram colocadas em prática estas missões em 2013?
Neste ano, durante a defesa destas causas da República, concluímos o julgamento da ação de inconstitucionalidade da PEC do calote dos precatórios. Foi uma vitória alcançada no primeiro semestre deste ano. O Supremo Tribunal Federal disse que o cidadão que teve na Justiça assegurado seu direito, não pode ficar 15 anos esperando pelo pagamento, como esta PEC do calote dos precatórios previa. Ingressamos no Supremo Tribunal Federal com uma ação declaratória de omissão, em que o Supremo nos deu uma liminar. Isto foi feito para obrigar o Congresso Nacional a editar uma lei de proteção aos usuários dos serviços públicos. Nós não a temos no Brasil. Temos o Código de Defesa do Consumidor, mas não temos o Código de Defesa do Cidadão que precisa da escola, do hospital para seu tratamento.
E o que mais?
Lutamos também, ao longo deste ano, por um ensino de Direito de qualidade. Fizemos um pacto com o MEC que congelou a criação de novas faculdades de Direito e, junto com a OAB, estamos elaborando um novo curso de Direito para o Brasil, um novo marco regulatório. Isto é a Ordem se preocupando com o futuro do mundo jurídico brasileiro. Lançamos também uma importante luta pela reforma política do Brasil. Entendemos que esta é a reforma das reformas, uma reforma que modificará a forma com que são eleitos os representantes do povo. Não como uma simples mudança do sistema eleitoral, mas uma reforma política profunda em que a votação seja em ideias, propostas, com financiamentos democráticos de campanhas, para que assim o eleitor saiba quem ele está elegendo ao votar. Hoje ele não sabe. Hoje existe uma linha oculta. Estamos, portanto, cuidando da valorização da profissão e das causas da República.
Com relação aos cursos de Direito, acredita-se então que esta grande demanda é prejudicial à qualidade do ensino?
O Brasil, ao longo de 20 anos, saiu de 200 para 1.300 faculdades de Direito. Temos mais faculdades de Direito do que o somatório aproximado de todos os países do mundo. Os Estados Unidos da América têm pouco mais de 200 faculdades de Direito e é um país bem mais populoso que o Brasil. Isso não é algo factível. Mas o norte da preocupação da Ordem não é tanto a quantidade, porque há algo mais grave por trás da quantidade, que é a falta de qualidade. Não há qualidade em boa parte dessas faculdades porque não há como crescer em números dessa forma com qualidade. Não tivemos Mestrados e Doutorados feitos e criados com a mesma intensidade. Ainda há professores que ganham muito pouco. O professor finge que recebe, a faculdade finge que paga, o professor finge que ensina e o aluno finge que aprende. Isto é algo típico que vemos nas faculdades. No Direito isso também existe de forma muito efetiva. Não podemos permitir o estelionato educacional, ou seja, faculdades que não preocupam com a qualidade, mas sim com o lucro fácil. Temos que contribuir junto ao MEC e estabelecer regras claras para que as faculdades que cumprirem estas regras sejam cada vez mais estimuladas a permanecer assim. Aquelas outras que não têm o mínimo de qualidade não podem continuar vendendo ilusão para os jovens.
São medidas que serão praticadas logo no próximo ano?
O termo de cooperação firmado entre a OAB e o MEC tem o prazo de dois meses e foi assinado em março deste ano, então a ideia é que em março do próximo ano, ao término deste termo, possamos sugerir à sociedade brasileira um novo marco regulatório do ensino jurídico. Um novo curso de Direito, um curso atualizado, que tenha uma grade curricular atualizada aos tempos atuais, que prepare com competência para o exercício da profissão e que gere consciência nos futuros profissionais quanto ao mundo que temos. Uma faculdade que alie teoria e prática, porque a melhor teoria é a prática e a melhor prática é a teoria.
O Exame de Ordem evoluiu bastante. A partir dos próximos, o candidato poderá aproveitar a aprovação na primeira fase do exame anterior?
O Exame, que já existe desde 1994, é a única forma de ingresso na profissão. A novidade é que ele se unificou, pois é o mesmo para todo o país. Ele é importante, inclusive, para aferir como anda a formação dos estudantes em todo o Brasil. Temos dito à Fundação Getúlio Vargas, entidade de conceito elevado contratada para realizá-lo, que o Exame de Ordem não serve para selecionar os melhores, pois os melhores o mercado selecionará. Queremos apenas impedir o acesso à profissão daqueles que não têm o conhecimento mínimo para defender o cidadão. Isso pode trazer prejuízos irreparáveis à sua liberdade, aos seus bens. Uma petição mal feita, uma ação mal realizada, pode trazer estes prejuízos. Não nos interessam Exames de Ordem que tenham pegadinhas, que tenham questões que não meçam efetivamente o conhecimento jurídico ou que dificultem a aprovação por dificultar. Por outro lado, não queremos um Exame de Ordem que permita que todos passem com uma demonstração mínima de conhecimento. O equilíbrio é o ideal.
Isto inspirou mais mudanças?
Foi feita no passado uma reformulação no Exame que diminuiu de cem para 80 questões, para que o aluno tivesse mais tempo para respondê-las e acertar pelo menos 40 para passar na primeira fase. A segunda fase é uma prova prática em que o aluno tem que examinar o caso e acertar qual é a petição que ele deve fazer, como se, por exemplo, o cidadão chegasse no escritório de um advogado recém-formado, precisando de uma medida judicial, e o advogado tivesse que saber pelo menos qual será esta medida, que pode não ser a melhor, mas a que ele pelo menos saberá fazer. Não se pode colocar no mercado alguém que não vá conseguir atender o cidadão adequadamente. Além desta peça, há também mais quatro questões de ordem discursiva. A novidade implantada agora, que valerá a partir do próximo Exame, é que o aprovado na primeira fase e reprovado na segunda, automaticamente no Exame seguinte não precisará repetir a primeira fase, fazendo somente a segunda. Isto tem uma explicação pedagógica: numa primeira tentativa, o aluno pode ter ficado nervoso e não ter acertado nenhuma questão discursiva. Pode eventualmente ter vindo uma peça prática que é justamente a que ele não estudou. Por isso, ele terá uma segunda oportunidade para que o nervosismo não se repita e para que esta coincidência não se verifique. É uma medida que trará uma justiça pedagógica aos estudantes.
Assim o aluno se preparará melhor para a fase mais difícil…
Exatamente. Ele vai se concentrar e se preparar mais para esta fase, que por ser discursiva, é mais difícil. E como o ensino no Brasil prepara pouco para a capacidade de redação, desde o primário, não sendo esta uma prioridade, as questões discursivas costumam a ser tidas como as mais difíceis. O aluno vai se preparar para a prova prática.
Quais foram as vitórias na luta pela valorização da profissão?
Nós criamos aqui na Ordem uma Procuradoria Nacional de Defesa das Prerrogativas e a Ouvidoria dos Honorários dos Advogados. Aprovamos no novo Código de Processo Civil importantes conquistas para a categoria, como direito de férias de um mês, entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, além do direito dos advogados de receberem seus honorários em tratamento igualitário com a Fazenda Pública. Asseguramos os honorários como natureza alimentar, aprovamos a inclusão dos advogados no Simples, no Senado Federal. Aprovamos também o direito dos advogados da Justiça do Trabalho de não serem mais discriminados, pois eles não recebem honorários de sucumbência. Estamos demonstrando que é possível conciliar as duas lutas. Antigamente na Ordem havia muita disputa ideológica quanto ao fato de a entidade ser mais corporativa ou mais social, cuidando das questões Políticas no Brasil. Nossa gestão quer demonstrar que não há polêmica alguma. Na realidade estas duas missões não se excluem, mas se complementam. É possível cuidar do advogado e cuidar do Brasil. Aliás, mais do que possível, é necessário, porque estas duas lutas têm um elo comum, que é o cidadão. Quando se luta por um advogado forte e valorizado, queremos justamente um cidadão protegido. Na medida em que se luta por um país melhor, o que se quer é um cidadão protegido. A defesa do cidadão nos une. A OAB não pode ser comentarista de casos, mas deve ser defensora de causas da República, causas da sociedade, causas não partidárias, mas causas políticas. O partido político da OAB é a Constituição da República e a nossa ideologia é o Estado Democrático de Direito. A Ordem não é de direita, nem de esquerda, mas sim de Constituição.
De quem a Ordem tem recebido mais apoio no movimento da Reforma Política Democrática?
Esta proposta de Reforma Política Democrática é antiga na Ordem. A defesa de um financiamento democrático de campanhas é discutida há muitas gestões. Para se ter uma ideia, nós realizamos há cerca de três anos, um seminário sobre a reforma política em que ouvimos todos os políticos mais influentes, sociólogos e cientistas políticos. Foi um seminário coordenado pelo atual ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso. Esta proposta vem de um amadurecimento da Ordem dos Advogados do Brasil. O que fizemos neste ano, na realidade? Foi condensar diversas sugestões e propostas em um projeto de lei de iniciativa popular que objetiva justamente implantar uma proposta de reforma política com eleições limpas. A OAB, junto com a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), as centrais sindicais, as organizações de estudantes e as entidades de classes de profissionais liberais, reuniu-se em uma coalizão, um movimento pela reforma política. São cerca de 44 entidades nacionais representativas na sociedade civil brasileira.
E qual é o objetivo?
No plano Legislativo, colher 1,5 milhão de assinaturas para apresentar um projeto de lei ao Congresso Nacional. Nossa meta é apresentá-lo no dia 11 de agosto do próximo ano para que esse plano seja pautado na campanha eleitoral e para que os candidatos a deputado, senador, governador e à presidência da República, possam prometer e aprovar uma reforma política para o Brasil. Assim a sociedade poderá cobrá-los na próxima legislatura. Esta é a estratégia do movimento no plano Legislativo, mas também temos uma estratégia no plano Judicial. O Conselho Federal da OAB, dentro desta sua missão de ser a voz constitucional do cidadão e da sociedade brasileira, ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal para proibir o investimento empresarial nas campanhas. Não queremos generalizar. Sabemos que há empresários decentes e honestos no Brasil. Não queremos tornar as empresas inimigas do Brasil, nem generalizar os políticos também. Não podemos é fazer uma criminalização da atividade pública que é negativa à democracia.
O que será anunciado?
Que o atual modelo brasileiro de financiamento das campanhas eleitorais impede uma competição em igualdade entre as pessoas. Faz com que as empresas tenham um papel muito decisivo nas eleições. Pelo sentido constitucional, todo poder emana do povo, esta é a redação constitucional. Empresa não constitui o conceito de povo para definir os rumos de uma nação. Logo é inconstitucional, não é republicano o financiamento empresarial de campanhas.
E o que podem fazer aqueles que querem apoiar a OAB neste movimento?
Com relação à coleta de assinaturas, que é a melhor forma para participação da sociedade, afinal este é um projeto de lei de iniciativa popular, todos podem acessar o site www.reformapoliticademocratica.com.br. Lá haverá as informações necessárias para colher assinaturas e entregá-las para que possamos somar. Dentre as causas da República que mencionei anteriormente, há também outras duas lutas da Ordem deste ano: uma foi o Saúde Mais 10, onde a OAB, a CNBB e os Conselhos de Saúde colheu 2 milhões de assinaturas e propôs ao Congresso Nacional um projeto de lei de iniciativa popular para obrigar o governo federal a investir 10% de seu orçamento em Saúde. Estamos lutando no Congresso pela aprovação desta medida, que é importante. O povo foi às ruas e disse que queria Saúde padrão Fifa, e com razão. O Brasil é um país rico e país rico é um país que não tem miserável, como diz a propaganda oficial. É um país que assegura Educação de qualidade a todos e não só a quem possui dinheiro para pagar um bom hospital. Temos que investir, sim, 10% em Saúde.
Qual foi a outra luta?
Lutamos também pela aprovação do projeto de lei que aplica os royalties do petróleo em Educação. Isso foi uma vitória da sociedade civil, o Congresso Nacional aprovou e a presidente da República sancionou e transmito, portanto, meus elogios ao Congresso e à presidente por terem transformado em lei esta importante reivindicação da sociedade brasileira. Não posso esquecer também de outra reivindicação da Ordem – duas outras que o Congresso Nacional aprovou esse ano. São elas: a PEC do Voto Aberto, em que fomos para o Congresso, postulamos e foi aprovada e promulgada esta PEC para os casos de cassação de mandato de parlamentar e derrubada de veto presidencial. E a outra que é a Lei Anticorrupção. No calor daquelas manifestações, fomos até o presidente do Senado, com o ofício da OAB, solicitando sua aprovação, que obriga as empresas a terem um sistema de compliance, termo que sistematiza uma série de regras internas para evitar práticas de fraude e corrupção nas empresas, para que não sejam corruptoras da administração pública. Sempre se fala em corrupção e só se vê a figura do servidor público, mas não a do corruptor, que é normalmente a empresa. Esta lei é importante e foi aprovada também pelo Congresso Nacional. São lutas pela corporação e pela sociedade.
A voz da Ordem tem sido devidamente ouvida pelos poderes do Brasil?
Sim. É preciso ser justo no sentido de que os poderes constituídos, não apenas o Congresso Nacional, que é o poder em que todas as vertentes da sociedade estão representadas, mas o Judiciário, principalmente, como também a própria presidência da República têm ouvido a Ordem, têm dado a devida deferência à importância institucional da entidade. Vide quando a presidente nos convidou para discutir saídas para a crise política em que o Brasil se envolveu neste ano, a partir das manifestações. A OAB foi a primeira entidade nacional a se encontrar com a presidente da República, logo no dia seguinte das manifestações.
E como foi?
Primeiro ela se reuniu com os governadores e depois com a Ordem. Ela ouviu as sugestões da Ordem e inclusive tinha a ideia da convocação de uma Constituinte. A Ordem entendeu que, se por um lado uma reforma política é importante, por outro lado uma Constituinte naquele momento não seria a melhor medida. A presidente acolheu nossa reflexão. Então, sendo justo, não posso deixar de reconhecer que os poderes constituídos no Brasil têm permitido o devido diálogo com a Ordem dos Advogados do Brasil.
Qual é posicionamento da Ordem com relação ao julgamento dos planos econômicos?
Neste ponto, a Ordem tem uma posição muito firme. Como disse, costumamos não nos posicionar em casos concretos, casos em que a Ordem não é parte. Mas em certos casos, como este, aprovamos em seu plenário o ingresso como amicus curiae, que significa “amigos da corte”. A OAB pede ingresso para se posicionar no processo e por quê? Porque considera que é relevante do ponto de vista da defesa da Constituição da República. Ela assegura dois valores que para a Ordem são muito importantes. Primeiro a defesa dos direitos do consumidor e, o segundo, a defesa da segurança jurídica e do respeito aos contratos. A OAB neste caso se posicionou favoravelmente aos poupadores por compreender que os direitos dos consumidores, que são os poupadores que vão ao banco e confiam a ele suas economias, necessitam de um tratamento respeitoso e digno. Por outro lado, o que se pleiteia nesta causa é o respeito ao contrato. É preciso explicar que não está em discussão a constitucionalidade dos planos econômicos. Aliás, esta discussão não existe. Ninguém nunca declarou no Brasil que eles são inconstitucionais.
Os bancos têm utilizado este argumento.
É um argumento inexistente porque nenhum juiz brasileiro até hoje declarou inconstitucional um plano econômico, tanto que eles existiram e existem. O Plano Real existiu e permanece em vigor. Foi um importante plano econômico para o Brasil, mas isto não está em discussão real, não é uma discussão verdadeira. É um pano de fundo para a discussão verdadeira, que é se os bancos vão ou não cumprir os contratos com os poupadores. Eles não estão reclamando do plano econômico, que veio no dia 15 do mês. Entre o 1º e o 15º dia, a inflação antiga correu. Quando o plano veio no dia 15, esse plano poderia retroagir para atingir o que já se passou do dia primeiro para o dia 15? Claro que não. A lei não pode retroagir para prejudicar o contrato, o consumidor e cidadão. Se permitirmos que uma lei retroaja por 15 dias, ela poderá retroagir por 15 meses ou 15 anos. A lógica é a mesma: ou pode ou não pode retroagir. Ou a lei não retroage para qualquer contrato ou a lei vai retroagir. Não se pode aplicar a Constituição em pedaços.
E o que a Constituição do Brasil diz?
A lei não pode retroagir para prejudicar o ato jurídico perfeito. Contrato é um ato jurídico perfeito, então este contrato que o poupador assinou, que era um contrato de adesão, ele sequer teve condição de negociar com o banco. Este contrato diz que ele tem direito à correção daquele período. Veio o plano no dia 15 e disse que não haveria mais correção como antes. O que os bancos fizeram? Retroagiram esta lei para o dia primeiro, sendo que não poderiam ter feito isso. Esta é a discussão e por isso a OAB, de forma muito clara, decidiu apoiar a tese dos poupadores.
O que achou da carta enviada pelos antigos ministros da Fazenda, alertando o Supremo quanto ao impacto que esta ação pode causar nos cofres públicos?
Li a carta dos ministros da Fazenda. Eu também assinaria a carta. O que está na carta é perfeitamente correto. Ocorre que o que ali está escrito não é o que está em debate no Supremo. Realmente, se estivesse em debate a inconstitucionalidade dos planos econômicos, esta seria uma outra discussão. Este não é o tema do julgamento. A ação foi proposta pela Confederação dos Bancos, que não tem legitimidade para discutir a constitucionalidade ou não dos planos econômicos. A Confederação tem legitimidade para discutir apenas o valor dos depósitos, que os bancos terão ou não que pagar. O que está na carta é perfeitamente adequado, possível, concordo plenamente. Mas isso não interfere em nada no julgamento da ação no Supremo Tribunal Federal. Em nenhum momento os ministros disseram que é possível os bancos retroagirem uma lei para alcançar os direitos dos poupadores bancários, que é o que está em discussão.
Concorda com o adiamento desta decisão para fevereiro de 2014?
Havia uma perspectiva muito grande de que este julgamento não seria concluído neste ano. Então avalio como uma forma pragmática. Julgando agora, em dezembro, ou em fevereiro, não trará grandes diferenças.
Qual é sua opinião sobre nossa Constituição?
É preciso ter fé na Constituição da República Federativa do Brasil. Ela completou 25 anos e a Ordem celebrou este período, pois é o prazo mais longo de estabilidade institucional do país. Celebramos também porque a Constituição é um equilibrado projeto de nação. Ao mesmo tempo em que assegura a livre iniciativa e a propriedade privada, determina que o direito do consumidor, os valores sociais do trabalho e a função social da propriedade sejam respeitados. À medida que assegura a liberdade de expressão e de informação, assegura o direito à imagem e à honra das pessoas. À medida que assegura o princípio da moralidade, da probidade administrativa, também assegura o direito de defesa e a presunção da inocência das pessoas para evitar injustiças. É uma Constituição que protege as minorias sociais e vulneráveis no Brasil: a criança e o adolescente, as mulheres, os índios. Prevê a preservação do meio ambiente, do desenvolvimento sustentável. Assegura a independência do poder Judiciário. Logo, ela deve ser o marco regulatório da sociedade brasileira.
Uma mensagem para os advogados e aspirantes à Justiça do Brasil.
Devem ter em mente que todos devemos jurar cumprir, fazer cumprir e efetivamente lutar pelo cumprimento das normas constitucionais de nosso país. Não podemos admitir vulneração à Constituição da República. Se hoje vulnera-se a Constituição por um ou outro motivo e discurso – como este dos bancos, de que o Brasil vai à falência –, daqui a pouco ela será descumprida por outras razões. Não podemos permitir exceções. A Constituição há de ser cumprida. Tenho fé, portanto, na Constituição. Acreditem em suas próprias capacidades de realização. Sejam firmes, acordem muito cedo e durmam muito tarde. Trabalhem com afinco. Respeitem as pessoas. Sejam tolerantes com a opinião divergente. Esse é o espírito democrático do mundo globalizado em que vivemos. Não há espaços no momento presente para donos da verdade. Tenham princípios, mas não sejam donos da verdade. A única verdade absoluta é que não existe verdade absoluta. Sejam abertos, como diria o grande compositor e filósofo contemporâneo, Raul Seixas: é melhor ser uma metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Sejam abertos às novidades, ao mundo tecnológico, mas não deixem de compreender os fatos. Não tomem decisões apressadas. Temos um mundo tecnológico que ampliou a capacidade de acesso à informação, mas não sei se isso veio a favor da capacidade de compreensão. A informação é importante, mas a compreensão é muito mais relevante, para que não sejamos teleguiados ou guiados pelos modismos que existem. Que cada um seja a beleza divina de ser o que é, respeitando as diferenças, sendo capazes e competentes para desenvolver o espaço profissional que pretendem, contribuindo com uma nação fraterna, justa e solidária – objetivo principal da Constituição da República.