Os rumos e os valores da democracia no Brasil foram debatidos e questionados em 2016 de um modo como não acontecia desde a década de 1980. Naquela época, o motivo era a retomada democrática.
Agora, o desafio é o da continuidade das instituições, das garantias e dos direitos individuais obtidos após o fim da ditadura militar e consolidados na Constituição de 1988.
Desde as manifestações de 2013, ficou evidente que a sociedade brasileira exige readequação na forma como a classe política interpreta a democracia e conduz a máquina pública. Apesar disso, as autoridades da República e os dirigentes partidários agiram, por meses, como se a insatisfação social estivesse novamente reprimida.
Ou seja: não souberam lidar com uma panela de pressão que explodiu em 2016, quando novos protestos tomaram conta das ruas. Parcela substancial da sociedade pediu o afastamento da então presidente da República, Dilma Rousseff, como reação à enxurrada de denúncias contra integrantes de seu governo e contra ela própria.
Havia provas do cometimento de crimes de responsabilidade -o que, de acordo com a Constituição, pune-se com impeachment.
Um dos mais ferrenhos adversários de Dilma, o ex-deputado Eduardo Cunha, protagonizou outras cenas tristes para a democracia. Envolvido em diversos escândalos, ele fragilizou a instituição que presidia, a Câmara dos Deputados.
Além disso, usou o cargo para atrapalhar investigações do Conselho de Ética e até mesmo da Operação Lava Jato. Em maio, foi afastado do mandato e, em outubro, preso. O ano terminou com o Senado em situação semelhante -seu presidente, Renan Calheiros, tornou-se réu em ação criminal.
Não há perspectivas de que 2017 será mais tranquilo do ponto de vista da tensão social. Melhorias na economia do país não revertem o quadro desastroso da política.
Como presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a maior entidade organizada da sociedade civil do país, tenho clareza de que é preciso atuar ativamente em defesa da Constituição. Do contrário, é real o risco de retrocesso nas conquistas democráticas.
Já são expressivas as manifestações contra o governo de Michel Temer -uma administração que não ascendeu ao poder pelas urnas e, por isso, precisa conquistar legitimidade para suas ações.
Ao propor a PEC do teto de gastos, o governo decidiu cortar o investimento em áreas fundamentais como saúde e educação, que já estão sucateadas. Precisará, portanto, apresentar soluções a essas demandas sociais.
Do mesmo modo, será preciso tornar mais justa a proposta da reforma da Previdência. Da forma como está, o texto sugerido pelo governo federal extirpa as conquistas do sistema de seguridade e diminui as chances de os trabalhadores usufruírem do benefício pelo qual pagam ao longo da vida.
A lei deve valer para todos. Por isso, a OAB pediu a cassação de Cunha e o impeachment de Dilma, após constatar, em consulta técnica feita aos legítimos representantes da advocacia, que o crime de responsabilidade havia sido cometido.
Também por isso a Ordem se manifestou em defesa da Polícia Federal e do Ministério Público quando foram especuladas possíveis tentativas de interferência política na Lava Jato.
E a OAB se opõe à concessão de poderes imperiais para grupos de funcionários públicos destruírem a vida de cidadãos valendo-se de instrumentos não previstos no arcabouço legal -como o uso de provas ilegais, quebra de sigilo de jornalistas para expor as fontes e violação da comunicação entre advogados e clientes, protegida constitucionalmente a fim de garantir o direito de defesa e o próprio Estado democrático de Direito.
Um dos principais desafios de 2017 é superar a crise ética que abate o país, mas sem que as conquistas democráticas sejam com isso sacrificadas.
CLAUDIO LAMACHIA é especialista em direito empresarial e presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)