Leis ordinárias têm poder para criar um fundo de recolhimento de valores arrecadados através de multas de trânsito, bem como para estabelecer suas regras. Se tal lei não é respeitada, cabe ao Ministério Público Federal ajuizar Ação Civil Pública para que a cidade e a empresa de desenvolvimento urbano do município sejam obrigados seguir as regras.
Assim decidiu, por unanimidade, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ao dar provimento a uma Ação Civil Pública do MPF, determinando que a Empresa de Desenvolvimento Urbano e Habitacional (Emdurb) de Marília (interior de São Paulo) e a prefeitura do município repassem, todos os meses, 5% dos valores arrecadados com as multas de trânsito aplicadas pelo cidade e pela Emdurb ao Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset). A decisão manda, ainda, que repassem no prazo de 90 dias os valores relativos às competências não transferidas ao Funset, devidamente corrigidas e com acréscimo de encargos legais.
O município de Marília havia apelado da decisão ao TRF-3 alegando a inconstitucionalidade do Funset, pois o fundo fora criado por lei ordinária e não por lei complementar, conforme dispõe o artigo 165, parágrafo 9º da Constituição Federal. O governo afirmou também que a Lei Municipal 4.453/98 determina a competência de multar e arrecadar à Emdurb, impossibilitando sua responsabilidade solidária na obrigação de fazer.
A Emdurb, por sua vez, alega a ilegitimidade ativa do MPF, por não existir, segundo a entidade, interesse público difuso que justifique a Ação Civil Pública; alegou, ainda, a inconstitucionalidade da Funset e questionou a revisão da multa aplicada em primeira instância.
A desembargadora federal Monica Nobre, relatora do acórdão, explicou que não se trata simplesmente de cobrar valores que não foram repassados ao Funset, mas de garantir programas de educação e segurança do trânsito. Trata-se de questão relativa à garantia de direitos fundamentais que pertencem a toda coletividade, inscritos nos artigos 5º e 6º da Constituição Federal.
Além disso, o Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 1º, parágrafo 2º, estabelece que “o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito”.
Leis e complementos
A desembargadora explicou ainda que o artigo 165, parágrafo 9º, II, da Constituição Federal, diz que à lei complementar cabe estabelecer as condições para a instituição e funcionamento dos fundos, a serem observadas na elaboração de lei ordinária que instituir o fundo e regular o seu funcionamento.
O dispositivo constitucional mostra, segundo Mônica, que compete à lei complementar “estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos”.
A exigência constitucional é que lei complementar estabeleça as condições para a criação de fundos e não a criação do fundo propriamente dito. Assim, “como não existe lei complementar que estabeleça as condições gerais para o funcionamento e financiamento de fundos públicos, nada obsta que lei ordinária crie novos fundos públicos desde que obedeça a legislação em vigor”.
Neste sentido, tratando-se da defesa de direitos que pertencem a toda coletividade, a decisão da 4ª Turma coloca que está clara a legitimidade ativa ad causam do MPF.
A decisão coloca ainda que a execução de determinada atividade ou serviço público pelo agente delegado deve se dar conforme as normas do Estado e sob a permanente fiscalização do Poder Delegante. Logo, a responsabilidade do município de Marília, neste caso, é solidária.
Apelação Cível 0004680-04.2003.4.03.6111
Com informações da assessoria de imprensa do TRF-3