O dia internacional de combate à corrupção, instituído pela Convenção de Mérida, mostra que se a população brasileira está longe de atingir níveis dinamarqueses, pelo menos tem o alento de perceber a atuação efetiva dos órgãos de controle. Operações como Plateias, Ludus, Luminus, Apocalipse, Lava Jato, Aquário, Zumbi, Vista Mar, Véu da Irmandade, Trama, Terra Prometida, Ressurreição dos Mortos, Nebulosa e muitas outras oferecem à população a dimensão do esforço que as autoridades judiciárias e policiais têm desenvolvido para combater o avanço criminoso sobre o dinheiro público.
Está claro que as já rotineiras operações policiais que têm desbaratado organizações criminosas instaladas nas diferentes esferas do poder público, numa verdadeira endemia instalada, com natural prevalência, no Executivo. É ali que estão alocados os maiores volumes de dinheiro, deixam o país em permanente estado de apreensão e descrédito. Mas não se pode abandonar toda a esperança, como estabeleceu Dante no seu Portal do Inferno. Ao contrário. Como, comprovadamente, já deixaram de ser episódicas, elas afetam fortemente o sentimento de impunidade que estimulam o crime. Ademais, os bandidos, apesar do exponencial crescimento do número de registros, ainda representam a exceção em um país no qual a regra são cidadãos ordeiros e de claro respeito às leis.
Não há, em decorrência dos sucessivos escândalos, que se perder a fé nas instituições, exatamente por cuja atuação têm sido identificadas as quadrilhas e providenciado o encaminhamento dos responsáveis ao judiciário. A OAB de Rondônia não se esquiva do compromisso e da responsabilidade de acompanhar cada caso e exigir, em nome da população, a investigação rigorosa e a responsabilização civil, administrativa e criminal dos culpados. Isso está claro no Manifesto à Sociedade Brasileira, aprovado por unanimidade e lançado pelo Plenário do Conselho Federal. O documento deixa, contudo, um alerta: o propósito de investigar profundamente não pode implicar a violação dos princípios básicos do Estado de Direito. É inadmissível que prisões provisórias se justifiquem para forçar a confissão de acusados. O combate à corrupção não legitima o atentado à liberdade.
Assinala que “no Estado Democrático de Direito, em cujo cerne encontra-se o princípio da dignidade da pessoa humana, outra não pode ser a orientação”. E mais: “A OAB defende o cumprimento da Constituição da República por todos os brasileiros, independentemente de condição social ou econômica. Os postulados do devido processo legal, do direito de defesa e da presunção de inocência são valores que devem nortear a convivência civilizada em uma sociedade democrática, com a proteção do ser humano contra o uso arbitrário do poder”.
Além de defender a necessidade urgente de uma reforma política democrática e republicana para se contrapor ao custos milionários das campanhas, origem maior da corrupção instalada no cenário nacional, a OAB aponta uma série de medidas de aplicação imediata para seu efetivo combate. Com destaque para o financiamento de campanhas por empresas privadas, que cria uma sobreposição venenosa entre política e interesses empresariais e precisa ser urgentemente extirpado do processo eleitoral.
Mas os resultados apenas serão efetivos a partir da regulamentação da Lei 12.846, de 2013, denominada Lei Anticorrupção, que pune as empresas corruptoras. Do estabelecimento de limites para as contribuições de pessoas físicas, da criminalização do Caixa 2 de campanha eleitoral e da aplicação da Lei Complementar 135, denominada Lei da Ficha Limpa, para todos os cargos públicos.
O Manifesto defende ainda o fortalecimento e ampliação de sistemas que façam a interligação de informações entre os órgãos responsáveis pela aplicação da lei anticorrupção e pela apuração do Caixa 2 de campanha eleitoral, a exemplo da Coordenação-Geral de Assuntos Financeiros (COAFI) e da Controladoria-Geral da União (CGU), com a inclusão do sistema financeiro, órgãos de registro de propriedade, como cartórios, Tribunais de Contas, ABIN, Receita Federal e Polícia Federal.
E a exigência do cumprimento fiel, em todos os órgãos públicos, da Lei de Transparência, proporcionando fácil acesso às informações. Além da garantia da autonomia às instituições públicas que controlam e combatem a corrupção, como a Controladoria Geral da União, dotando-as de recursos humanos qualificados, com dotação orçamentária capaz de permitir a permanente fiscalização da aplicação dos recursos públicos, estabelecendo-se o mandato de quatro anos para o Controlador Geral.
Várias outras providências, de aplicação razoavelmente simples – desde claro que o foco esteja direcionado, com a seriedade necessária, ao aprimoramento institucional do país e ao sistemático combate à corrupção em todas as suas abjetas manifestações – estão elencadas. Haveremos de abordá-las oportunamente, posto que não é recomendável abusar do espaço e da paciência do leitor.