Vinicius Silva Lemos[1]
O Código de Processo Civil teve uma preocupação imensa com os honorários advocatícios, com uma legislação construída em diversos parágrafos do art. 85, com o intuito de positivar conquistas, dirimir dúvidas outrora existentes e avançar em pontos cruciais para a remuneração do advogado.
Um dos pontos que gerava mais complicações antes do ordenamento processual atual era a quantificação de honorários advocatícios em causas de grande valor e contra a Fazenda Pública.
Se o art. 85, § 2º do CPC manteve a fixação normal entre 10 e 20% (dez e vinte por cento) utilizando como base o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, o art. 85, § 3° do CPC retirou as dúvidas e positivou uma tabela de honorários advocatícios sucumbenciais contra a Fazenda Pública a partir de um escalonamento a partir do valor da causa e da condenação ou do proveito econômico obtido.
Quanto maior o valor da causa, menor o percentual dos honorários advocatícios, mas respeitando as diretrizes gerais de 10 a 20% (dez e vinte por cento) para a base até 200 (duzentos) salários-mínimos e seguindo entre 1 a 3% (um a três por cento) em causas de mais do que 100 (cem) mil salários-mínimos.
Um parâmetro objetivo para uma discussão que permeava as ações contra a Fazenda Pública.
No entanto, quando iniciou a aplicabilidade do ordenamento processual, em diversas decisões de ações com vultuoso valor foram suscitados os mesmos argumentos anteriores ao CPC atual, ignorando ou deixando de aplicar os dispositivos que regulamentam a matéria, com a preferência da aplicação do art. 85, § 8° do CPC.
Esse dispositivo versa sobre a fixação de honorários advocatícios em causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, com a lógica construtiva de ser em quantia condizente com a dignidade da profissão e atuação.
Ou seja, o art. 85, § 8° do CPC foi criado para as situações em que os honorários advocatícios seriam baixos, sem corresponder monetariamente ao trabalho realizado e os demais critérios de fixação, almejando o reequilíbrio financeiro ao valor a ser estipulado.
Todavia, este dispositivo foi utilizado paulatinamente de modo transverso, deixando de ser somente para conceder dignidade ao labor da advocacia para ter uma interpretação extensiva para causas de grande valor, interpretando-a equivocadamente como “inestimável.”
Diante da controvérsia, o STJ afetou a matéria como tema repetitivo, o famoso 1076.
Depois de longos debates, a definição do tema, em 2022, pela Corte Especial do STJ foi pela literariedade interpretativa dos parágrafos do art. 85 do CPC. A tese rejeitou a equidade (§8º) para ações de valores grandes ou vultuosos, inserindo 2 (dois) entendimentos[2]: (i) nas causas com a Fazenda Pública, as diretrizes devem ser a do escalonamento proposta no § 3°; (ii) nas causas em que não figure a Fazenda Pública, o entendimento é a regra de 10 a 20% (dez e vinte por cento), conforme o § 2°.
Essa vitória foi importante para fixar o entendimento sobre a estipulação de honorários advocatícios em ações de grande proveito econômico ou valor da causa vultuoso, seja na esfera privada, seja contra a Fazenda Pública.
O texto normativo já previa essa interpretação e o STJ definiu em repetitivo, de modo vinculante, esse ponto.
Todavia, houve recurso extraordinário contra a decisão do STJ, com admissibilidade positiva do STF e a concessão da repercussão geral, virando o tema 1255, tendo como leading case RE 1412069.
Apesar de não ter uma clara inconstitucionalidade ou qualquer questão que fosse constitucional – com crítica imensa na doutrina, a matéria foi afetada e sobrestou processos do Brasil inteiro com discussão de honorários advocatícios de grande monta parados, deixando também a tese firmada pelo STJ no tema repetitivo 1076 sem a aplicabilidade, uma vez que o STF definiria a matéria.
Contudo, essa afetação e admissibilidade para repercussão geral exigiu a atuação do Conselho Federal da OAB sobre a matéria, como a entidade sempre realiza em casos dessa estirpe, seriedade e interesse na matéria para a advocacia, porém, a atuação foi ainda em um ponto de delimitação processual, o que se explica adiante.
A atuação do CFOAB foi no sentido de delimitar a matéria da própria repercussão geral, a partir do leading case escolhido e admitido pelo STF para o julgamento, o RE 1412069.
Esse recurso extraordinário foi interposto pela União Federal, via AGU, e, assim, o intuito do CFOAB foi suscitar questão de ordem de que este recurso se limitava à discussão sobre os honorários advocatícios em questões de grande valores ou proveito econômico vultuoso quando a Fazenda Pública figurar como parte (art. 85, § 3º do CPC), excluindo qualquer discussão sobre a base de estipulação entre partes privadas e a discussão sobre os arts. 85, §§ 2º e 8º do CPC.
A questão de ordem tinha total sentido, uma vez que a legitimidade recursal da União para recorrer do tema repetitivo somente se restringe ao que lhe afeta, a discussão sobre honorários advocatícios quando a Fazenda Pública for parte, seja quando for a União, pelo próprio interesse recursal existente, seja quando forem outras Fazendas Públicas, pela necessidade da interpretação ser uniforme.
A discussão sobre os honorários advocatícios entre entes privados quando as causas forem de grandes valores ou proveitos econômicos não podem ser impactados por um recurso de um ente público, com clara necessidade de distinguir a matéria, restringindo a repercussão geral ao tema honorários advocatícios, valores ou proveito econômico vultuoso e a presença da Fazenda Pública.
O STF julgou a questão de ordem e acatou os argumentos do CFOAB, restringindo a discussão da repercussão geral do tema 1255 à presença da Fazenda Pública como polo do processo, retirando qualquer discussão sobre entes privados, o que reflete a este ponto ser mantido o entendimento do STJ no tema repetitivo 1076, com aplicação já vinculante, com a retirada de sobrestamento de todos os processos que foram impactados pela suspensão da afetação do STF, voltando a tramitar os processos que versem sobre entes privados.
Dessa maneira, a atuação do CFOAB ainda não terminou, com a necessidade de que represente, como entidade que representa a totalidade da advocacia, inclusive a pública, os interesses sobre honorários advocatícios, porém, no mérito, somente se julgará a interpretação do art. 85, § 3º do CPC e sua interpretação constitucional.
Foi uma vitória para a manutenção do tema repetitivo 1076 e a interpretação de que não pode ser utilizada a equidade para a fixação de honorários advocatícios em causas que tiver grandes valores ou proveito econômico entre partes privadas. Uma vitória da advocacia, via CFOAB e todas as Seccionais.
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[1] Advogado. Conselheiro Federal pela OAB/RO e Doutor em Processo Civil pela UNICAP, com Estágio Pós-Doutoral na UERJ.
[2] O teor da tese do tema repetitivo 1076 STJ: 1) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou o proveito econômico da demanda, forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos parágrafos 2º ou 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil (CPC) – a depender da presença da Fazenda Pública na lide –, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. 2) Apenas se admite o arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.