Em julgamento realizado no dia 11 de março, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4481, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucionais, por unanimidade de votos, o artigo 1º, inciso II, e os artigos 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 8º e 11 da Lei nº 14.985/06, do Paraná, que concedia benefícios fiscais do ICMS, sem respaldo em convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), aos contribuintes estabelecidos naquele estado.
Por outro lado, não foi acolhido pedido relativo à inconstitucionalidade do artigo 1º, inciso I, da lei paranaense, que estabelecia a suspensão do recolhimento do ICMS na importação de matéria-prima, material intermediário ou secundário, inclusive material de embalagem, para ser utilizado em processo produtivo, até a saída dos produtos industrializados do estabelecimento importador. Nesse caso, por configurar mera postergação do pagamento do imposto (e, portanto, sem representar um verdadeiro benefício fiscal), o STF entendeu não ser aplicável a exigência do artigo 155, §2º, inciso XII, “g” da Constituição Federal.
A decisão adotada neste caso seguiu a jurisprudência consolidada da corte constitucional que, buscando preservar o pacto federativo e impedir a “guerra fiscal” entre os estados, em diversas oportunidades já afirmou que isenções e benefícios fiscais atinentes ao ICMS, editados sem decisão consensual dos estados, afrontam o artigo 155, §2º, inciso XII, “g” da CF/88.
Nessa linha, inclusive, vale lembrar que se encontra pendente de análise pelo STF a Proposta de Súmula Vinculante 69, que prevê que “qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do Confaz, é inconstitucional”.
Embora a declaração de inconstitucionalidade em si não represente nenhuma novidade em face da jurisprudência já consolidada a esse respeito, o STF acabou por escrever mais um importante capítulo nas discussões relacionadas ao tema, na medida em que, buscando preservar a segurança jurídica, determinou, de forma inédita, a modulação dos efeitos desta decisão, convalidando a utilização do benefício paranaense até a data do julgamento (11/3/2015).
Adicionalmente, é importante registrar que, ao decidir pela modulação dos efeitos da decisão, o STF levou em consideração o fato de que a lei ora julgada inconstitucional vigorou por oito anos, surtindo seus regulares efeitos e sendo largamente aplicada no âmbito do estado. Assim, em juízo de ponderação entre a ofensa à exigência constitucional de convênio interfederado para concessão de benefícios e a segurança jurídica, boa-fé e estabilidade das relações constituídas ao amparo da legislação declarada inconstitucional, optou por modular os efeitos da decisão.
Nesse particular, vale lembrar que, via de regra, as decisões do STF sobre o tema têm efeitos retroativos à data da edição do ato impugnado. A esse respeito, cumpre registrar que a Suprema Corte recentemente afirmou, no julgamento dos Embargos de Declaração na ADI 3794 (publicado 25.2.2015), de relatoria do ministro Luis Roberto Barroso, que “a jurisprudência do STF não tem admitido a modulação de efeitos no caso de lei estadual instituir benefícios fiscais sem o prévio convênio exigido pelo art. 155, §2º, XII, g, considerando, portanto, correta a declaração da nulidade de tais normas com os tradicionais efeitos ex tunc. Isso porque, caso se admitisse a modulação de efeitos em situações como a presente, ter-se-ia como válidos os efeitos produzidos por benefícios fiscais claramente inconstitucionais no lapso de tempo entre a publicação da lei local instituidora e a decisão de inconstitucionalidade. Acabaria por se incentivar a guerra fiscal entre os Estados, em desarmonia com a Constituição Federal de 1988 e com sérias repercussões financeiras”.
Tal expediente somente tinha sido adotado em casos excepcionais, como o recente julgamento da ADI 429, em que o STF modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade em relação a benefícios fiscais concedidos a deficientes auditivos. Neste caso, no entanto, a modulação foi embasada, especialmente, no caráter social do benefício questionado.
Sendo assim, o posicionamento adotado na ADI 4481 tem especial importância pois (i) indica que os benefícios utilizados no período em que as leis concessivas dos incentivos estavam em vigor (e, pois, gozavam de presunção de legalidade) devem ser mantidos, sob pena de ofensa à segurança jurídica; e (ii) poderá, em cada um dos casos concretos, legitimar os créditos de ICMS no destino durante o período anterior à declaração de inconstitucionalidade, uma vez que o benefício deve ser considerado válido até a data do julgamento.
Especificamente a respeito da glosa dos créditos, frise-se que a atual e pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o contribuinte tem direito ao crédito do valor integral do ICMS incidente em operações interestaduais, ainda que haja a concessão de benefícios fiscais no estado de origem das mercadorias. Segundo a jurisprudência daquele tribunal superior, a ADI é o único meio judicial de que deve se valer o estado lesado para obter a declaração de inconstitucionalidade da lei que concede benefício fiscal sem autorização do Confaz (entre tantas outras, recursos em Mandado de Segurança 33.524/PI e 38.041/MG).
No passado, o próprio STF também apresentou posicionamento no sentido de que o contribuinte faz jus à manutenção integral dos créditos do ICMS nas hipóteses de operações interestaduais provenientes de estados que concedem benefícios fiscais, em respeito à não-cumulatividade do imposto estadual e dada a inadequação dos meios utilizados unilateralmente pelos estados para questionar tais benefícios (Ação Cautelar 2611/MG, Rel. Ministra Ellen Gracie, Publicado em 21.6.2010). A discussão sobre o tema na Corte Suprema, no entanto, deverá ser definitivamente julgada somente por ocasião do julgamento do RE 628075/RS, com repercussão geral declarada.
Seja como for, o precedente da ADI 4481 é um alento aos contribuintes, indicando a validade do benefício e a eventual impossibilidade de glosa dos créditos do ICMS no destino durante o período de vigência da lei que concedeu os benefícios, ao menos até a data em que seja julgado inconstitucional pelo STF.