O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deu início a um processo de transição da cultura administrativa do órgão, criado em 2004, para a chamada gestão por competências. Surgida há duas décadas no campo da administração, a metodologia de gestão organizacional muda a relação entre cargos e o conjunto específico de conhecimentos e habilidades exigidos para exercer cada um deles. Em dois encontros realizados na sede do CNJ, em Brasília, nesta quinta-feira (4/4), o especialista em gestão pública e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Thiago Dias da Costa, apresentou a gestores e servidores do CNJ a nova metodologia.
“A gestão por competências nada mais é que um modelo integrado de tomada de decisões baseado em lacunas de competências”, disse o professor, doutor em Teoria e Pesquisa do Comportamento. Essas lacunas são as diferenças identificadas, a partir de questionários respondidos por servidores e gestores de uma organização, entre o que o trabalhador afirma saber fazer para ocupar determinado cargo e o que gestor do mesmo setor classifica como habilidades necessárias ao exercício daquele posto.
Identificadas essas lacunas, o modelo de gestão por competências deve conduzir a administração a decisões que busquem, considerados os objetivos estratégicos da organização, reduzir as deficiências encontradas, como promover atividades de capacitação, por exemplo. O método de processo decisório, no entanto, tem um alcance amplo e não se limita a oferecer cursos.
Pautar a administração de um tribunal, por exemplo, na gestão por competência significa adaptar à nova metodologia desde a seleção de pessoal (concursos públicos e processos seletivos internos), à alocação da força de trabalho (segundo as capacidades disponíveis nos servidores das diferentes unidades administrativas) e ao tamanho das equipes em cada área, uma vez que os recursos humanos são avaliados por indicadores qualitativos (descrição das habilidades) e quantitativas (desempenho individual). No setor da administração pública federal, a gestão por competências atende à especificidade de submeter-se ao princípio constitucional da eficiência.
Pelo menos quatro tribunais regionais eleitorais (TREs) – Espírito Santo, Pará, Rio Grande do Norte e Tocantins – já migraram para o modelo de gestão por competências sob a consultoria do Laboratório de Gestão do Comportamento Organizacional (GESTCOM), coordenado pelo professor Thiago Dias da Costa. Entre os 34 órgãos que já receberam a consultoria, criado em 2011, estão autarquias e órgãos ligados ao Poder Executivo Federal, como ministérios, universidades federais, a Controladoria-Geral da União (CGU), o Instituto Chico Mendes (ICMBio) e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). “Nós levamos oito anos para concluir esse processo de implantação da gestão por competências na Universidade Federal do Pará. Nada é imediato quando tratamos de mudar a cultura organizacional de uma casa”, afirmou o professor Costa.
Longo prazo
De acordo com o diretor-geral do CNJ, Johaness Eck, principal responsável pela mudança no órgão, o acordo celebrado entre o Conselho e a UFPA para implantação do novo modelo administrativo está previsto para durar até o fim de 2020. O GESTCOM auxiliará o CNJ até a etapa de identificação de lacunas de competências. “Apesar das nossas limitações legais e normativas, podemos melhorar a seleção, a avaliação de desempenho e a capacitação dos servidores para conciliar a vocação, os desejos e os objetivos pessoais com os objetivos institucionais do CNJ”, afirmou o diretor-geral.
A secretária de Gestão de Pessoas do Conselho, Raquel Wanderley, ressaltou a importância da participação dos gestores nas atividades de implantação do projeto. Estiveram presentes na oficina para gestores as diretoras do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ/CNJ), Gabriela Moreira, Departamento de Gestão Estratégica (DGE), Fabiana Gomes, e das secretarias de Cerimonial e Eventos, Priscila Santos, de Comunicação Social (SCS), Rodrigo Farhat, e de Orçamento e Finanças, Antonio Carlos Stangherlin, além do juiz auxiliar da Presidência do CNJ Carl Olav Smith. “A perspectiva é de adotar a gestão por competências no longo prazo, para subsidiar a tomada de ações relativas à política para os servidores”, disse Raquel Wanderley.
Além da direção das principais unidades do CNJ, participaram da oficina destinada aos gestores os conselheiros Márcio Schiefler e Aloysio Corrêa da Veiga, que também é ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A Corte começou o processo de incorporação do novo método de administração ao formar uma comissão interna para discutir o tema em 2011. A cultura institucional que se pretende mudar, no entanto, está inserida em um paradigma muito anterior, segundo o ministro Aloysio Corrêa da Veiga.
“É uma herança do nosso tempo de Brasil Colônia, a influência no setor público da Lei do Morgadio”, disse o conselheiro. A lei “herdada” do ordenamento jurídico português foi instituída em 1521 e só seria revogada no Brasil na década de 1820. O normativo estipulava que apenas o filho primogênito teria direito à herança da família, o que levou muitos primogênitos a buscarem cargos públicos para os irmãos com o objetivo de garantir-lhes o sustento e, ao longo do tempo, constituiria uma das causas do nepotismo no Estado brasileiro. “Precisamos erradicar essa história primitiva de que o setor público seria destino para determinadas pessoas. A meritocracia e o princípio da eficiência são definidores deste momento atual”, afirmou o ministro.
No CNJ, o próximo passo da implantação da nova abordagem administrativa será o mapeamento das competências necessárias ao funcionamento do órgão, previsto para ocorrer em mais quatro oficinas ao longo do mês de maio. Paralelamente, acontecerá uma análise documental, em que são avaliados planejamento estratégico, visão, missão valores, regimento interno e outras normativas do Conselho relacionadas à gestão de pessoas.
A Resolução CNJ n. 192, por exemplo, que instituiu em 2014 a Política Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Servidores do Poder Judiciário, menciona várias vezes a necessidade do desenvolvimento de competências no âmbito da formação dos profissionais que atuam na Justiça.