O presidente da Seccional Rondônia da Ordem das Advogados Brasil (OAB/RO), Andrey Cavalcante, respondeu a perguntas elaboradas por alunos e equipe do Instituto Federal de Rondônia (Ifro) da Zona Norte de Porto Velho.
Os questionamentos foram preparados para o 1º Gestão em Pauta, que contou com participação do secretário-geral da Seccional, Márcio Nogueira. Clique aqui e veja matéria sobre o evento.
Veja perguntas e respostas do presidente da OAB/RO:
– A atual crise política vivida pelo Brasil teve origem na descoberta de esquemas ilegais envolvendo integrantes da alta cúpula do governo federal, empresas públicas e parlamentares. O senhor acredita que a corrupção no país é uma questão de cultura ou falta de controle?
Resposta: As duas coisas. Difícil estabelecer o que é causa e o que é consequência. Temos que continuar no caminho de aprimorar os mecanismos de controle sobre a coisa pública, aumentando a participação social, popular em cada iniciativa. Somente quando a população toda se envolve nessa tarefa, podemos ter garantias de que ela não será feita apenas pela metade.
– Penas mais severas para a corrupção podem ser uma saída?
R: Muitas medidas podem ajudar a mudar o ambiente favorável à corrupção no Brasil. Penas mais severas poderiam ajudar, mas penas que limitassem a participação na vida pública talvez fossem mais eficientes. Muitos de nossos políticos agem como profissionais acostumados a processos sem fim e a condenações de naturezas mais diversas. Aos poucos isso tem mudado, como aconteceu após a Lei da Ficha Limpa. Os escândalos recentes mostram que isso ainda é pouco. Mas, mais do que penas duras, temos que mudar o sistema, como foi o caso citado do financiamento de campanhas. Precisamos avançar na composição do sistema partidário, que ainda é falho, e na forma como o mandato se relaciona como as expectativas do eleitor. Sem dúvida, tudo passa por eliminar privilégios e mostrar aos políticos que eles são apenas cidadãos cumprindo uma tarefa em nome do povo e não seres especiais que não podem ser alcançados pela lei.
– Mas muitas vezes a população se sente impotente, ao ver que a maioria dos casos revelados não resulta em qualquer punição.
R: A sensação de impunidade deixa tudo pior. Se nosso país abriga uma cultura de corrupção, sem dúvidas a impunidade colabora bastante. Mas a impunidade é parte dessa cultura, talvez seja um dos fatores mais importantes de fomento à corrupção. É importante ter em vista, contudo, que, apesar de a nossa vontade de justiça ser grande, não podemos atropelar as conquistas da nossa justiça. Não podemos nos esquecer que o Brasil é também um país de fortes tradições autoritárias, e precisamos preservar as garantias constitucionais que nos possibilitam um processo justo. Apesar da vontade de apressar as coisas, temos que ir um passo de cada vez. Debater bastante, analisar as coisas com calma. Não podemos concordar com as críticas tão comuns hoje em dia contra o direito de defesa, críticas que querem tirar o equilíbrio do processo entre as partes e fazer com que o magistrado atue em nome de uma dessas partes. Somos amplamente favoráveis à luta contra a corrupção e defendemos que essa luta pode ser intensificada dentro dos parâmetros decentes de justiça apregoados por nossa Constituição cidadã – aliás, na maior parte dos casos, é o que temos visto acontecer hoje em dia.
– Cabe à população ficar mais vigilante e cobrar mais punições, dentro da legalidade?
R: O papel da sociedade é o de ditar os rumos. No fim, tudo o que importa é o interesse do povo. Temos visto intensa participação popular e nosso dever é o de ajudar assegurar que o povo possa ocupar as ruas, manifestar sua indignação e pressionar por mudanças.
– E o povo está nas ruas agora, boa parte pedindo o impeachment, como forma de solução para o país. O impeachment, procedimento previsto na Constituição, pode ser utilizado como uma maneira de controle sobre as ilegalidades na esfera pública?
R: O impeachment atual e todos os processos de investigação que estão deixando a opinião pública brasileira estarrecida nos últimos meses mostram que as instituições de controle estão cada vez mais fortes. Isso não exclui, contudo, o fato de que temos muito o que melhorar para termos um processo político que seja mais correto. O sistema político no Brasil é falho, temos um multipartidarismo personalista demais – partidos que pertencem a alguém ou que visam a atender aos interesses de uns poucos –, ainda convivemos com a sobreposição do interesse pessoal muito acima do interesse público. Não é só o impeachment que mostra que a corrupção chegou ao limite, mas o grande número de ações que hoje atingem enorme parcela de políticos eleitos no Brasil. O caminho é incentivar a fiscalização dos mandatos, sem esquecer de atuarmos na base, cobrando, antes de votar, a forma com que é feito o compromisso com o povo.
– Mas o pedido de impeachment em tramitação no Congresso não se baseia nos atos de corrupção revelados principalmente na Operação Lava Jato, e sim nas chamadas “pedaladas fiscais”. Isso pode ser considerado ato ilegal?
R: Para a OAB, as evidências são fortes no sentido de demonstrar que a presidente agiu com dolo ao manipular informações fiscais com o fim de obter vantagens indevidas que repercutissem de modo favorável à sua candidatura no processo eleitoral. O expediente das chamadas “pedaladas fiscais” jamais atingiram a monta atual, nunca foram tão expressivas e nunca tinham sido usadas para manipular um cenário macroeconômico de modo a intervir num processo eleitoral, como é o caso atual. Não se trata de avaliar apenas a manobra que poderia ter sido “irregular” ou “ilegal”, num sentido mais restrito, mas de avaliar a extensão, que é enorme, e a finalidade, que foi a de criar, para a população, um cenário de bem-estar e equilíbrio nas contas públicas que jamais existiu, escondendo déficits púbicos gigantescos, com o propósito de angariar votos para a reeleição. É a soma desses fatores que levou a OAB Nacional a apoiar o pedido hoje em discussão.
– Terminado o processo de impeachment, independentemente do resultado, o que pode ser feito para evitar novos casos? Talvez a tão esperada Reforma Política?
R: O Brasil vive um momento de expurgo. Há muita coisa acontecendo, e estamos em meio a uma grave crise econômica também. Temos que passar a limpo os casos já sob avaliação e, na primeira oportunidade, colocar o sistema político em julgamento. De certa forma, um impeachment faz isso. Muitas pessoas já estão se levantando contra o vice-Presidente ou contra o Presidente da Câmara, que, amanhã ou depois, pode vir a governar o país. Essa escalada pode levar a uma crise ainda maior e, claro, vamos ter que construir uma saída para ela. Nenhuma reforma agora seria factível, mas devemos aproveitar o momento para questionar com afinco os rumos daqui em diante.
– E como acabar com a relação, digamos “perigosa”, entre entes privados e públicos?
R: A OAB foi a propositora da ação de inconstitucionalidade que resultou no fim de doações por empresas a campanhas eleitorais. Empresa não vota, empresa não possui direitos políticos. Está ficando cada vez mais claro, por investigações como a da Lava Jato, o tamanho da capacidade de as empresas intervirem no processo eleitoral mediante financiamento de campanhas. O financiamento público de campanhas é uma medida que precisa ser muito bem avaliada, com bastante cautela, mas pode ajudar a melhorar o cenário. As doações individuais, limitadas a determinados valores, também poderiam ser um bom caminho, desde que bem monitoradas. O jogo democrático não pode ser fechado, impedindo a população de apoiar seus candidatos e suas agendas. Estamos aprendendo a tornar isso possível sem desequilíbrios que deixem o jogo injusto. O fim das doações por empresas certamente é um grande avanço. Além disso, hoje é mais nítido do que nunca que precisamos avançar nos meios de refinar nossos processos relacionados a tudo que diz respeito com a coisa pública. Temos que usar a tecnologia ao nosso dispor e aprimorar tudo. Temos que criar ferramentas colaborativas, que incluam a participação popular, por todos os meios disponíveis. Uma democracia real precisa de inclusão e participação. Eu diria que o principal paradigma que deve ser trabalhado para ajudar mais o Brasil é de construir uma burocracia inclusiva e transparente, facilmente acessível, compreensível e determinante para que o poder púbico saia das sombras e se abra para os olhos de seus verdadeiros donos, os cidadãos e cidadãs comuns que efetivamente sustentam este país.