“O canal que abastece o mercado de trabalho qualificado está entupido de mulheres no nível da entrada, mas, quando esse mesmo canal abastece as posições de chefia, há um predomínio esmagador de homens.” A observação é de Sheryl Sandberg na obra “Lean In” (no Brasil, “Faça Acontecer”1), chefe de operações do Facebook desde 2008 após mais de seis anos no Google e eleita uma das dez mulheres mais poderosas do mundo pela Forbes.
Sandberg classifica o fenômeno como “abismo nas ambições de lideranças”, citando, entre outros, pesquisa da McKinsey de 2012, com mais de 4 mil funcionários de grandes empresas, revelando que 36% dos homens queriam se tornar diretores executivos contra apenas 18% das mulheres2.
Defasagem
As mulheres que conquistaram cargos de direção superaram diferentes obstáculos para chegar ao topo, especialmente em áreas que historicamente tenderam a ser ocupadas majoritariamente por homens.
É o caso, por exemplo, da advogada Rosana Chiavassa, da banca Chiavassa & Chiavassa Advogadas Associadas.“Meu escritório foi o primeiro registrado na OAB/SP como de advogadas associadas. Foi nesse momento que o preconceito foi percebido. Ninguém aceitava sequer a terminologia. Ao distribuir cartão já sentíamos a surpresa, inclusive entre mulheres. Mas vencemos e hoje já é comum. Estamos falando de quase vinte anos. Mas, para quem está começando, a dificuldade persiste, basta ver que a jovem advogada continua ser chamada de ‘filha’ nas audiências.” O relato atesta as dificuldades que o mercado de trabalho ainda impõe ao gênero feminino no alcance de cargos e carreiras de liderança.
“Nossas tias ainda nos dizem para ‘deixar a advocacia para lá e fazer um concurso, que é mais compatível com a maternidade, o marido e a casa’” sustenta a advogada Daniela Teixeira, secretária-Geral da OAB/DF e titular da Advocacia Daniela Teixeira. Ela constata que, no Direito, as mulheres ainda vivem conceitos da década de 40, em ambiente no qual a escalada profissional coloca muitos óbices, transformando a questão de gênero, de fato, em algo relevante na profissão. “Como advogada há vinte anos vi muitas desistirem pelo caminho.”
A advogada Maria Cláudia de Seixas, que fundou a banca Cláudia Seixas Sociedade de Advogados, e cuja área de atuação é criminal, conta que, nos anos 80, o preconceito ainda era muito acentuado e o desafio, proporcional a ele. A consolidação da banca veio com a dedicação diária. “O caminho é encarar o dia a dia com naturalidade, com paixão, enfim, como tudo na vida, independentemente de qualquer profissão, você deve buscar ser sempre o melhor no que faz e ser perseverante.”
Na mesma linha foi a experiência compartilhada por Carla Domenico, que considera um “verdadeiro ato de coragem” a trajetória da banca Carla Domenico & Ana Lúcia Penón Escritório de Advogados, na qual o amor ao Direito Penal e a determinação foram cruciais para o sucesso.
Raízes históricas
O Brasil perde para países como Moçambique e Timor Leste no que diz respeito à representação feminina no Parlamento, segundo relatório anual da União Interparlamentar divulgado na última terça-feira, 4, em Genebra3. Reforça Rosana Chiavassa: “Nas Prefeituras do Brasil temos 10%, nas Câmaras Municipais, 12%, na Câmara dos Deputados, 8,6% e no Senado, 16%. Em verdade, o Brasil ocupa o modesto 121º lugar no mundo de mulheres no poder, apesar de representar no mínimo 44 % da força do mercado de trabalho formal.”
A advogada Adriana G. Passos do Sacramento, do Departamento Jurídico da PSA Peugeot Citroën, ressalta que “é impossível nos compararmos aos homens: somos diferentes em todos os aspectos (físico, sentimental e emocional). Mas isso não nos impede de trabalhar em igualdade de condições ou competência. Ao contrário! Somos mais sensíveis e sentimentais, sim. Somos mães, temos o período de licença maternidade que é simplesmente fundamental e indispensável (tenho duas filhas e posso afirmar isso com propriedade), mas temos responsabilidade, comprometimento e sabemos o que estamos fazemos.”
Adriana não hesita em citar a importância de homens que participem ativamente na criação dos filhos, compartilhando responsabilidades, o que contribui para o desenvolvimento da carreira das companheiras. “Por isso acredito que temos é que mudar o foco, somos diferentes sim e nossas diferenças devem ser respeitadas.”
Equilíbrio de forças
Sensibilidade, organização, lealdade, comprometimento: diversas são as qualidades comumente femininas lembradas na hora de valorizar a liderança de uma executiva.
“A sensibilidade para lidar com as pessoas, situações e crises; a capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo, sem perder o foco ou a qualidade da entrega; a disposição em ouvir e falar livremente, expondo os seus sentimentos e facilitando a comunicação.” Eis algumas características elencadas por Rogéria Gieremek, Gerente Executiva de Compliance LATAM na Serasa Experian, na qual é responsável por seis países, após trajetória que inclui a presidência, aos 27 anos, da Comissão de Licitações de Engenharia do Banespa.
A flexibilidade e sensibilidade para o trabalho em equipe é outro ponto em comum nas executivas de alto nível. Ana Paula Seixas, Gerente Jurídica da Nestlé, cita a capacidade de percepção dos comportamentos e atitudes da equipe e seus pares – item essencial para um gestor em pleno século XXI.
Não raro, tais características vão garantir o destaque feminino em uma empresa ou escritório. É o caso da advogada Thais De Laurentiis, sócia do escritório Frullani, Galkowicz, Mantoan, De Laurentiis Advogados. Sendo a única advogada da banca a ter alcançado a sociedade, Thais afirma que não há dúvidas de que os ambientes dedicados à formação e ao ofício da advocacia são predominantemente masculinos, “o que faz com que o empenho das mulheres nessa profissão seja, de fato, um trabalho de equilíbrio de forças: audácia e sensibilidade”.
Perspectivas de mudança
Se há, de fato, uma defasagem na proporção de mulheres que comandam empresas e escritórios, a receita para alterar este cenário inclui diferentes frentes de ações.
“As mulheres que querem alcançar cargos de destaque devem estudar muito para que a sua capacidade nunca seja questionada” recomenda a advogada Carla Domenico, para quem a determinação e uma pitada de ousadia são determinantes no alcance de cargos de direção.
A atitude pró-ativa das mulheres é essencial segundo Adriana. “Infelizmente, as mulheres ainda são vistas como sexo frágil e ‘faladeiras’, cabe a cada uma de nós provar o contrário.”
Ana Paula Seixas lembra a necessidade de superação da dupla jornada feminina a qual a maioria das mulheres ainda é submetida, o que dificulta sua ascensão aos cargos de chefia e liderança.
Outra orientação, agora de Rogéria Gieremek: “Trabalhar mais e melhor do que qualquer outro, independentemente do sexo. Todo mundo valoriza quem trabalha e entrega excelentes resultados. E não cair na tentação de ‘masculinizar’ a atitude, porque, do contrário, corre-se o risco de perder o que a mulher tem de melhor, o seu diferencial competitivo – a sensibilidade, a capacidade de fazer muitas coisas simultaneamente e a facilidade de comunicação.”
Rosana Chiavassa pontua a necessidade de união das mulheres, que estão aprendendo a exercer esse desejo por liderança. Aliás, como diz Sandberg em seu livro, citando a ex-secretária de Estado Madeleine Albright, “há um lugar especial no inferno para as mulheres que não ajudam outras mulheres”.
Com a licença poética de Gonçalves Dias, a advogada Daniela Teixeira dedica às doutoras uma versão feminina da Canção do Tamoio:
“Não chores, Doutora;
Não chores, que a advocacia
É luta renhida:
Advogar é lutar.
A advocacia é combate,
Que às fracas abate,
Que às fortes, às bravas,
Só pode exaltar.”
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Referências
1 Sandberg, Shelby. Lean In.
2 Sandberg, Shelby. Lean In.
3 Agência Brasil. Moçambique é o país lusófono com maior número de mulheres no Parlamento.