“A hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude”. Assestada com fantástica mordacidade de François duc de La Rochefoucauld, a máxima aponta a essência do comportamento hipócrita. Desnuda, com rigorosa precisão, aquele que finge emular comportamentos corretos, virtuosos e socialmente aceitos, para favorecer a vilania, a indignidade e a sordidez. Foi o que ficou registrado na história recente do país, quando se buscou fragilizar a defesa via criminalização da advocacia. Tudo para dissimular a incapacidade de obter provas contra réus selecionados, julgados e previamente condenados em nome do combate à corrupção, com objetivos claramente político-eleitorais.
Mas, assim como ensina a frase de tempos imemoriais e autoria desconhecida, de uso recorrente nos textos bíblicos em Apocalipse e Salmos, “Não há mal que sempre dure, nem há dor que não se acabe”, a atuação da OAB combateu sem tréguas o recurso a práticas criminosas a pretexto de combater a criminalidade. Fez o que recomenda MS Cortella ao interpretar o provérbio: A frase usualmente dita pelos antigos faz refletir sobre a capacidade de não apenas aguardar pelas coisas, mas ir buscá-las: “Há muitas pessoas que iniciam uma jornada ou tarefa com expectativas das quais se fica apenas no aguardo”.
E, como demonstra a realidade, a advocacia saiu-se vitoriosa em cada batalha. Para coroar o êxito dessa atuação permanente, o Senado da República acaba de aprovar o PL 5.284/2020, que altera o Estatuto da Advocacia, o Código de Processo Civil), e o Código de Processo Penal. O texto, que segue agora para a sanção presidencial, confere maior autonomia à OAB, além de prever mudanças na fixação dos honorários advocatícios, inviolabilidade do escritório e do local de trabalho, assim como do regime trabalhista dos advogados e estagiários. E, ainda, regulamenta o contrato de associação, moderniza as organizações societárias das sociedades de advogados e aprimora as atribuições legais do Conselho Federal e das Seccionais.
A aprovação no Senado foi festejada pelo presidente da Ordem, Beto Simonetti, para quem a advocacia sai maior com a conquista. Ele observa, contudo, depois de manifestar gratidão aos senadores pelo apoio, que “é preciso seguir, confiantes e vigilantes, para que o projeto seja sancionado o mais breve possível pelo Presidente da República”. E destaca, no texto aprovado, a proibição de busca e apreensão em casa, escritórios de advocacia ou qualquer outro local de trabalho do advogado com base somente em delação premiada, sem confirmação por outros meios de prova. Para conceder a liminar, o juiz deverá considerá-la excepcional, desde que exista fundamento e informe à Seccional da OAB com antecedência mínima de 24 horas, para designação de um advogado para acompanhar todo o processo.
Para o presidente da OAB Rondônia, Márcio Nogueira, a aprovação do Projeto é uma grande vitória de toda a sociedade brasileira. Ele destacou o trabalho desenvolvido pelo presidente Beto Simonetti e do Conselho Federal junto aos senadores, fortalecido nos estados pelas subseções da OAB, que “fizeram diferença para a matéria ser tratada como merecia. Com isso, toda a advocacia sai ainda mais fortalecida”. É imperioso salientar e reconhecer a posição favorável do senador rondoniense Marcos Rogério, cuja atuação em favor da advocacia vem desde seu mandato de deputado federal. Seu trabalho, agora, foi de grande valia, no convencimento dos senadores.
O conselheiro federal e procurador nacional de Defesa das Prerrogativas, Alex Sarkis, também celebrou vitória nas redes sociais, reforçando que “a cada vitória da advocacia, a cada avanço, a cada luta contra o retrocesso sentimo-nos revigorados! Não é para menos. Afinal, a violação de direito ou prerrogativa de advogado terá a pena aumentada de detenção de três meses a um ano para detenção de dois a quatro anos. Entre os direitos do advogado, estão o de inviolabilidade do escritório, de comunicação com os clientes e de presença de representante da OAB quando preso em flagrante por motivo ligado ao exercício da advocacia.
A nova legislação resguarda ainda o poder de intervenção do advogado em instâncias investigatórias ou de julgamento. O profissional poderá se manifestar, pela ordem, em qualquer tribunal judicial ou administrativo, em órgãos deliberativos da administração e em comissões parlamentares de inquérito (CPIs). O advogado também poderá sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo no momento do julgamento, seja em sessões presenciais ou telepresenciais. A mesma defesa deverá ser permitida em recurso contra decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não admitir recursos de apelação; em recurso ordinário; especial; extraordinário; embargos de divergência; ou ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, habeas corpus e outras ações de competência originária.
Isso e muito mais está assentado na ampla abordagem do texto legal de questões do interesse direto da advocacia, reconduzida, a partir da sanção presidencial, ao lugar constitucionalmente devido na essencialidade da administração da justiça. Isso está longe de indicar, porém, que a advocacia possa se dispersar em festejos e comemorações. Vigilate, et orate. Spiritus quidem promptus est, caro autem infirma – disse Mateus. É preciso estar atento, porque “O espírito está realmente disposto, mas a carne é fraca!”
(*) Andrey Cavalcante é ex-presidente e membro honorário vitalício da OAB Rondônia.